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Foto do escritorOtavio Yagima

Crônica #76 | Reflexo do silêncio.

O sagrado valor da palavra.


I. Fato


Quantas vezes passamos por situações constrangedoras com as palavras ditas?

Era uma tarde ensolarada de um final de semana, temperatura quente, e um caloroso ruído de vozes misturadas ecoando na atmosfera. Percebi de longe que o assunto já fervia entre os amigos. Quando adentrei na atmosfera formada, um silêncio se espalhou.

E quebrando o silêncio, entre olhares, sorrisos e abraços, nos cumprimentamos.

Aproveitando esse momento mais silencioso, como a prosseguir com o assunto que estava em pauta, um dos amigos ergue sua voz afirmando a expressão que diz, quem se cala consente.

Imediatamente o barulho se fez presente, cada um querendo expor suas opiniões, e estava de volta aquela atmosfera agitada de vozes. Muitos assuntos e pouco consenso. Cada um defendendo o seu ponto de vista e suas razões. A cerveja esquentou e o vinho evaporou.

Parecia até um jogo de truco com os ânimos exaltados. Então, com um olhar meio desconcertado, uma de nossas amigas abre um leque, que nos deixa ainda mais desconcertados.

- “Seria o silêncio um consentir real com o fato, uma omissão, uma mentira, um medo, uma defesa, uma não invasão na vida alheia? Em que circunstância devemos nos calar e nos recolher no silêncio”?

O burburinho volta à tona com muitos olhares indagatórios. Respeitando os posicionamentos antes colocados, pedi licença para expor aquilo que conhecia. Nossos amigos foram se acomodando melhor nas cadeiras e nas mesas, as esposas nos sofás e poltronas. O ranger do balanço das redes diminuiu, e a noite se adentrava parecendo tomar um outro rumo, mais calmo e mais filosófico.

A expressão que diz, “aquele que não se manifesta contra uma atitude, concorda com ela” foi decretada como lei no século XIII, pelo Papa Bonifácio VIII. Na época, eram conhecidas como cartas oficiais dos papas medievais, em repostas às consultas populares sobre questões jurídicas e morais. Como criador dessa célebre lei, Papa Bonifácio VIII detinha o direito de combater as leis orais supersticiosas. Isentava de impostos e por seus poderes maiores que do próprio rei, Bonifácio foi sequestrado e morto a mando do rei Felipe IV, da França.

Esse Papa foi conhecido como ateu, queria dominar tudo; e com o poder e sangue à flor da pele comandou um exército, saqueou, e queimou uma cidade matando milhares de pessoas. Elegendo-se como imperador do mundo, não acreditava em Deus, afirmava que nunca existiu Jesus, que a hóstia era simplesmente água e farinha, e que Maria não era virgem.” E assim se passou no tempo.

Hoje, pouco nos surpreende que ainda exista essa busca de poder e manipulação.

 

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II. Do pensamento à fala.


Antes de abrir a boca para falar algo, devemos pensar com seriedade. Que tipo de palavras usamos no nosso dia a dia? Tudo que construímos, tudo o que nos envolve são consequências do que dizemos, tendo como princípio o pensamento, que cria a imagem, e que por sua vez se materializa. O seu poder é maior do que podemos imaginar. O universo de cada um pode ser definido pelas suas palavras, elas irão construir a sua realidade.

No nosso cérebro, o centro da fala possui o domínio sobre todos os outros nervos, portanto está sob o seu controle os comandos expressos pelas palavras. Poderosa língua, apesar do seu pequeno tamanho como membro do nosso corpo. De acordo com a qualidade das suas falas, o bem ou o mal receberá.

Da mesma boca procede uma benção ou uma maldição, a vida ou a morte. Reflitamos!

Porque uma vez dita a palavra, carregada de toda nossa energia, ela ecoa e ecoa. Algumas vezes podem tomar dimensões enormes, e acabam com consequências respectivas ao seu tamanho. Palavras expressadas em promessas devem ser cumpridas, então, jamais devemos assumir compromissos que ultrapassam os limites de cumprimento.

Por um descontrole emocional a palavra pode ferir e deixar cicatrizes profundas, e suas marcas podem ser eternas. Detentoras de energias invisíveis aos olhos do homem, mas poderosas nos seus efeitos. A cada palavra que pronunciamos nós projetamos nossos pensamentos, nossa mente e nosso interior; consequentemente dispendemos nossa energia.

Dependendo, ficamos nus diante de palavras mal interpretadas, e sem ações quando caem em mentes sábias. Nas precauções, aprendamos a falar e não desperdiçar em vão nossa energia.

Nossa amiga nos diz que tem na sua família uma pessoa que abre a boca para reclamar. O tempo todo tendo um porque a comparar, uma queixa a fazer e nunca estando satisfeita. Como consequência, esgotando e comprometendo o relacionamento e o bom convívio de toda a família. Ao que outros amigos também concordaram com esse tipo de postura, e pudemos constatar o negativismo incrustado em uma grande parte das pessoas que vivem ao nosso redor. Pobres criaturas que sofrem, ainda adormecidas no entendimento dos mecanismos da Vida.

Assim como um espelho que reflete uma imagem, observemos a pessoa e nos coloquemos como ele, que apenas reflete e manda de volta a imagem e energia, sem absorver, apenas e tão somente refletir.

Aos que vomitam, de forma inconsequente suas reclamações, cravando tudo nos espelhos ao seu redor, acabam criando um labirinto espelhado; perdendo qualquer reflexão de si mesmo. A cada palavra profana os reflexos se multiplicam. Para cada tentativa de destruição dos espelhos, outras imagens menores contaminam seus pensamentos, em seus inúmeros e múltiplos estilhaços.

Podemos observar e deveríamos aprender a ser como a Natureza, que nos mostra abertamente o real funcionamento do Universo, como no papel de um simples espelho. Ela aceita, sem qualquer preconceito e sem impor quaisquer condições, todas as nossas ações, palavras, pensamentos ou emoções; e apenas nos devolve os reflexos de nossas próprias emanações, que se manifestam através das circunstâncias que se apresentam em nossas vidas. Recebemos o que emitimos.

Simplesmente assim!

Sucessos e êxitos não se identificam com fracassos e destruições. Aos que, pelo estado mental e através da fala se identificam com o fracasso ou com o êxito, terão os resultados conforme são costumeiramente expressados. O conteúdo das nossas conversas internas, inevitavelmente se manifesta externamente, nas situações do nosso dia a dia.

Ao evitarmos as palavras queixosas ou as que projetam imagens ruins, negativas e obscuras, estaremos mais equilibrados, e deixando de produzir esses reflexos ao nosso redor.

Se não tiver conteúdos, se forem inúteis na sua composição, ou repletos de inverdades nas palavras, melhor então ficar calado. Observemos antes, e emanemos a energia se assim for.

Sentir a energia e escutar, na maior parte das vezes, é uma indicação correta.

Uma comunicação é medida no reflexo do conjunto de espelhos, que implantamos ao nosso redor. Tanto mais límpida e fluída será, se desprovida de imposições de opiniões pessoais, e sem as excessivas reações emocionais. Saber dizer o que a pessoa precisa ouvir, da forma que ela pode ouvir naquele exato momento, é mais que uma arte; é de uma sabedoria extraordinária. Porém, de muita complexidade também. Geralmente nos colocamos com reatividade, nos abstendo do silêncio, às vezes tão necessário. O silêncio no momento certo evita muitos choques, mesmo diante da razão; dissolvendo a densidade e tensão no ambiente e nas pessoas ali presentes.



III. Prisioneiro de si.


As palavras saem sem controle ao perdemos a humildade. Aliada à prepotência, deixa arranhada a sua própria imagem, a vida tensa, e sem um propósito maior as ilusões despontam, se engessando nas tramas de sua própria prisão.

Quando porém, as palavras sem controle são direcionadas contra nós, o esforço de elucidarmos e a compreendermos nos trará a paz com mais antecedência. Se a palavra do outro tiver sua razão sustentada, aceitar com humildade, e com coragem agradecer por ter indicado o caminho de uma verdade.

Para uma convivência saudável, qualquer que seja a competição cravada com outros, pode nos levar à perda da paz, e conflitos desnecessários. A competição é uma ação movida pelo ego, tão somente para inflá-lo de poder e satisfação, na maioria das vezes recheados de futilidades passageiras. A ostentação traz consigo a exposição, e consequente prisão nas opiniões alheias. O fardo é pesado e a linha que sustenta a vida será enrijecida.

As amigas do nosso grupo, reflexivas, opinam a todo momento com suas ricas bagagens. Prisioneiro de si mesmo é um problema muito evidente atualmente. Refém de si, perdido dentro da parafernália que se tornou a questão das redes sociais. - “Uma das amigas de minha filha está seriamente adoecida, prostrada em depressão, após ter sido enganada dentro desse meio”. A ostentação atrelada à vaidade. Ilusão a olhos vistos, porém, ainda reinante pelas promessas de resultados fáceis e imediatos. Imagens e palavras convincentes em abundância.

 

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IV. Resultados de conhecimentos.


Caso valorize a paz em sua vida e deseje buscar ou preservar uma vida tranquila, seja discreto não expondo sua vida íntima aos outros. Quando se vive dentro dos verdadeiros princípios humanos, não haverá mais a necessidade de ostentar, seja lá o que for. Apenas se almeja um caminho de paz e benevolência, a alegria automaticamente se juntará a esse percurso; e a comunicação com as pessoas e o mundo se ajustará ao equilíbrio conquistado, já com mais serenidade.

Se dentro de cada ser humano as virtudes e qualidades estão presentes, como parte do nosso Divino, então, ajudar a despertá-las seria de imensa alegria a qualquer um de nós. Auxiliar na limpeza dos espelhos dos nossos semelhantes, remover as névoas das dúvidas, fazendo despontar um horizonte grandioso e concreto. Ajudar, ajudar e ajudar, não há nada mais gratificante ao nosso coração; que instintivamente, anseia por isso.

Outra amiga intrigada com essa questão de ajudar aos outros, nos coloca que muitas vezes somos impedidos disso, que nem sempre a suposta ajuda é realmente salutar. Possuidora de uma loja de semijoias, ela surpreendeu a filha de sua amiga furtando algumas peças. Ao relatar à sua amiga o fato, foi gerada uma densa situação, que até aquele momento não havia ainda sido dissolvida e nem devidamente digerida. Mal-estar e incompreensão, palavras mal colocadas e a amizade ameaçada.

Por que haveria de estar ameaçada a amizade, diante de um fato originalmente errado? Onde está infiltrada a falha nessa situação?

A falta de conhecimento, ou a consciência parcial da situação a quem pretendemos ajudar, nos compromete a falhas ou erros. Agir com prudência e buscando uma consciência mais profunda, nos leva a uma tomada de decisão mais assertiva. Há que se evitar ações precipitadas, no silêncio e na quietude da alma, as melhores respostas aparecerão. A confiança em si se eleva, e tocamos a fortaleza da sabedoria. Muitas vezes um afastamento é a melhor solução. Palavra nenhuma será ouvida àquele que não quer ouvir. Nada de errado existe se não sabemos sobre algo, a sinceridade em dizer e admitir não saber, ou mesmo dizer não a um pedido de ajuda, poderá ser mais um construir que propriamente uma destruição. O não saber sempre fará parte de nossas vidas, portanto, aceitar que assim é, e abrir o coração a outras novas visões e propostas.

Julgamento, a quem pertence esse direito?

Se fôssemos absolutamente perfeitos, talvez tivéssemos esse direito. No estado de consciência a que nos encontramos, ainda estaremos expressando nossas próprias opiniões pessoais. Estaríamos expondo nossas fragilidades, muitas vezes projetando o que ainda não vencemos em nós mesmos.

Estaríamos realmente aptos nessa difícil tarefa? Quem de nós consegue, com maestria, ser imparcial nos seu juízos?



IV. O silêncio e suas faces.


“O sábio tolera tudo sem dizer uma palavra” porque nada mais o incomoda.

Aquilo que perturbaria seria o reflexo do seu próprio império.

Pensemos bem. Porque a intolerância, a inveja, a raiva, ou as mentiras sobressaem no nosso mundo?

Agora, um de nossos amigos não se contendo diz: - “Como tolerar tudo, e ainda mais sem dizer nada?

Está muito longe de mim essa postura, reajo muito fácil às pessoas, e sei também que não levar desaforo para casa me faz estar sempre machucado.” Gargalhou assim esse nosso amigo. De peito aberto a todos os desafios, para ele não existe situação em que não possa opinar. Sofre, mas ri abertamente de suas enrascadas.

Cada um é cada um. Por mais que os problemas sejam iguais, cada qual sentirá e reagirá de forma peculiar. Cada qual procurará sua melhor maneira de resolução. Os profissionais da mente humana direcionam sempre para uma solução, mas a saída será escolhida pela vontade própria.

Dominar as palavras sem nos ferir e nem desrespeitar o outro. Dominar a fala, no silêncio, sem falar.

O poder da sabedoria do silêncio propicia a reflexão da luz do coração, despontando e sobressaindo a verdadeira natureza interna. O ego sempre pronto para se infiltrar nas nossas emoções, querendo dominar com sua verdade e nos atrair com seu valores, merece estar sempre vigiado. Na medida que tudo se mantém no equilíbrio, haverá progresso, nos realizando sem amarras, sendo livres nos voos que nos proporcionam a verdadeira liberdade. O ego que se mantém sem a habitual tagarelice, que consegue se manter na tranquilidade de um silêncio, pode ser sentido num autêntico sorriso alegre e benevolente, no bem-estar geral da vida, abrangendo a tudo e a todos.

Sem barulhos, sem ruídos, o nosso silêncio interior é um poderoso integrante do Eu interno. Se manifesta no respeito a todas as coisas criadas pelo nosso Regente Maior. Ajudar a quem esteja precisando, porém, sabendo antecipadamente que ninguém muda ninguém, a não ser por ela mesma. Abaixo então o querer controlar o outro, o desrespeito e a manipulação. Ao sermos mestres de nós mesmos, talvez assim pelo exemplo, consigamos nos tornar elementos positivos de contribuição, na construção desse complexo mundo, onde as palavras ecoam fortes antes das atitudes, querendo ditar as suas regras e as suas verdades.

Ao compreendermos os outros, cada qual dentro das suas capacidades de serem, não nos identificaremos com a impaciência e nem com a intolerância. É viver a vida como ela é.

Na simplicidade de ser, de agir, no cultivo do poder interno, no silêncio, sem palavras, como aprendizes da difícil arte de falar, do verdadeiro falar. Onde oferecemos e também aprendemos, onde todos possamos sair um pouquinho mais enriquecidos, nos conscientizando do sagrado poder das palavras.



Confira a última crônica da nossa coleção - Crônica #75 | A nobreza da ética.

 

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Nosso cronista Otavio Yagima fez uma participação especial, e o encontro está imperdível; confira no player aqui embaixo e também visite as demais postagens no YT da neo!



 

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