A luz no fim do túnel
Fui buscar minha filha no aeroporto, vindo da Áustria, para passar umas férias aqui no Brasil. Antes de me direcionar ao terminal de desembarque, passei pelo embarque. Lá vi “torcidas organizadas”, famílias se despedindo, crianças com bichinho de pelúcia nas mãos em direção ao portão de acesso, carinhas sem muito entender todo aquele alvoroço; idosos em cadeiras de rodas... enfim, aquilo tudo que sempre se passa num portão de embarque. Um fator em comum à maioria: conversas, lágrimas envolvidas em saudades já presentes, de um até breve ou de um adeus.
Em contraste, no terminal de desembarque pairava um silêncio no ar, e com um aglomerado de cabeças balançando de um lado ao outro. Pescoços esticados, na espera de avistarem as pessoas queridas aparecerem no corredor. Alguns andando de um lado para outro. De repente, abraços, gritos eloquentes, beijos, malas jogadas ao chão, num abraço forte de perder o equilíbrio... risos e também lágrimas. Era a chegada de um voo.
Uma senhora se aproxima... ela disse que estava me observando há um bom tempinho, e que minha absoluta calma a atraiu. Percebeu que a grande maioria ali aparentava graus de ansiedade, e ela mesma quase não estava se aguentando. Então resolveu trocar umas palavras comigo, esperando que o tempo passasse mais rápido.
Achei engraçada a maneira como me abordou e ri espontaneamente. Ela devolve o sorriso e começamos a conversar. Sua ansiedade fez com que falasse bastante. Explica que estava à espera do seu neto de dez anos e que ele viajava sozinho, mas que tinha a esperança de que, de última hora, sua filha e seu genro viessem juntos. Explicou a situação conflituosa dos pais do garoto, de forma detalhada, inclusive da possibilidade de uma separação, mas novamente me disse que tem a esperança de que isso não se consuma.
Ela comentou que, nos últimos dias havia entrado em desespero e enfrentado até certos momentos de pânico. A situação de sua filha a deixava muito aflita, e que mediante o sofrimento, resolveu se agarrar firme na esperança e acreditar que tudo poderia mudar. Precisava acreditar nisso, então estava de fato muito ansiosa ainda naquele momento.
Perdeu a crônica mais recente do Otavio? Leia o texto na íntegra clicando aqui: Crônica #61 | Ciclos em conexão
Esperança se resume em esperar? Ou está relacionada à procura de um buscar? De que lado nossos pensamentos tendem quando ouvimos essa palavra? Creio que muitos de nós sabemos, por experiência, que a esperança quase que exige umas bem dosadas porções de paciência, pois ela tem sempre uma conexão com algum ponto do futuro. Então, podemos dizer que ela antecipa algo lá do futuro para o presente momento. É como se fosse uma previsão que nos dá posse de uma bússola, indicando a importância de vida, ou seja, não caminharmos e nem termos decisões aleatórias e sim uma direção. Ela nos dá um norte, mostrando a direção a ser tomada. É como um energético, um impulsionador para conduzir a algum lugar. Com essa projeção num ponto do futuro e com o alvo a se atingir, há que se ter então, esse caminhar até o ponto. É a ação aliada à obrigatória espera até esse futuro chegar. Então, a esperança de fato não é só esperar, é agir, é andar, é o combustível que abastece esse caminhar de encontro a esse ponto, que se quer chegar.
Portanto, ela contém elementos de espera e ao mesmo tempo de ação.
Ela é representada, classicamente, por uma âncora que é fixada a um determinado horizonte; prende-se a um alvo, a um objetivo. Lembra uma objetividade. É necessário se perguntar e ter clareza no que realmente se quer, na sua meta. A âncora está ali para lembrar e nos prender a essa objetividade, evitando que fiquemos à deriva das adversidades e surpresas, que a vida se encarrega de nos trazer.
A senhora com carinha desanimada, me pergunta por quem estou esperando e diz:
-“ Não está ansioso para rever sua filha? Vejo o senhor tão calmo e sereno.
O que faz para manter isso? Eu não consigo!
-“ Com clareza nos meus pensamentos”, respondo a ela.
Ela fez uma carinha de interrogação, tentando entender melhor.
-“ A senhora veio dirigindo até aqui ou veio de taxi? ” Indaguei.
-“ De carro”
Assim tentei exemplificar:
-“Imagina a senhora dirigindo seu carro numa estrada, a estrada da vida. E nessa estrada existem várias placas sinalizadoras, indicando as curvas perigosas dos relacionamentos, teste de freios nos declives de um caso familiar em crise, lombadas de falsas amizades, placas de desvios indicando deslizamentos de acusações e mentiras, presença de indicadores de animais selvagens, palavras venenosas e muitas placas confusas, indicadoras de locais inexistentes da vida. Presença de pontes estreitas das paixões, confiança demasiada no GPS, que indica um mapa falso de um amor comprado. Enfim, se estivermos preparados e com clareza nos caminhos a tomar, os solavancos poderão ser mais suaves e as surpresas menos assustadoras. Ao mantermos a lucidez de forma não emotiva, sempre haverá soluções e quando mergulharmos preparados, sairemos ainda mais fortificados nas situações. Ahhhh sim, é bom lembrar que no carro existem três retrovisores que refletem o atrás. O passado refletido vai se distanciando cada vez mais, quanto mais avançamos para a frente, no presente. O para-brisa do agora e do futuro é maior e os retrovisores são pequeninos, propositadamente. É desta forma que funciona o que estamos conversando, nesse exato momento. “Tenha o mais que puder, clareza nos diversos pontos do percurso. Caso apareça um desvio, não perca nunca as esperanças de retornar ao caminho correto”.
Tomando a esperança como busca, pode-se tornar uma ótima proteção psíquica. Ou seja, nos piores momentos dos acontecimentos, pode nos deixar equilibrados, mostrando que existe sempre uma saída. A esperança provoca equilíbrio.
Na ausência da esperança, realmente se apodera da pessoa o desespero.
A desesperança prende a pessoa no momento presente, impedindo-a de ação.
Ninguém toma de ti a esperança. Porque, ela sendo verdadeira é uma expectativa para si próprio.
A esperança é um elemento que está ligada, muito mais ao interno da pessoa que à circunstância externa, então é impossível que alguém a roube da outra. Somente nós mesmos podemos fazer isso conosco mesmo, é uma expectativa consigo próprio, nos envolvendo em relação ao nosso ser.
Confira também esta crônica postada no nosso site: Crônica #60 | Oi mãe, cheguei!!
Como tudo numa dualidade, há também, o aspecto negativo da esperança, que podemos dizer, seria a passividade. Dependendo de que forma encaramos, pode ser uma barreira com tendência a estática, como uma trava, imobilizando. Geralmente acontece porque a pessoa não sabe exatamente onde quer chegar, não sabe onde quer que ela a leve. Às vezes, as nossas mentes nessas tempestades de ilusões, nos desanimam; mas tudo faz parte do nosso aprendizado e do caminho a percorrer.
Ao sairmos dos estados de comodidade, preguiça ou desânimo, haverá um despertar de poderes dentro de cada um de nós. Podemos encontrar muitas ferramentas, desenvolver a imaginação e criatividade, passando para uma concretização mais rápida da esperança. O compasso de espera deixa desatualizado o que estávamos pensando ontem, e o amanhã também deverá atropelar o que pensamos hoje. Isso é fato. A esperança não é algo aleatório, não funciona com o deixar acontecer.
Então, por que alguns projetos de vida não deram certos, se tracei metas e objetivos?
Cabe aqui também outras perguntas. Eu mereço?
Será que não faltaram organização e disciplina, ou um verdadeiro objetivo?
Será que ficou disperso em variados conflitos de pensamentos, ou desânimo?
A ausência de valores internos, deixam o poder da esperança cada vez menor.
Muito se projeta para posses materiais, esquecendo de projetar para se ter os verdadeiros valores, que vem do ser. A frustração se fará presente, pois se não se tem os valores para conquistar, não haverá de fato uma conquista verdadeira.
Antes de projetarmos o ter, mais efetivo seria se projetarmos o ser, antecedendo o despertar para um autoconhecimento. A esperança sempre diz respeito ao ser. Essa ferramenta direciona para algo concreto, e um caminho com menos pedras. Podemos nos comprometer em projetarmos ser melhores, sermos menos egoístas, sermos mais humildes, sermos mais fraternos, enfim, tantos pontos a desenvolvermos. Com posse dos princípios básicos, tudo ao nosso redor começa a se transformar, e de forma natural. A esperança passa ser realidade e nos conduz para projetos maiores, e principalmente realizáveis.
Já ouvimos muito o termo “uma luz no fim do túnel”... é a esperança, essa luz sinalizando uma saída.
Porém, de nada adiantará se não caminharmos em direção a ela. O fato de tomarmos a decisão de caminhar indica vontade de aperfeiçoamento, vontade de crescimento. A busca da luz, por uma consciência mais iluminada. Se ficarmos só observando, acomodados e presos na escuridão; em algum momento o trem da vida vai passar sem ao menos apitar, e podendo descarregar sofrimentos.
Quem acha que está tudo bem do jeito que está, a esperança não terá nenhum significado. Poderá em momentos, provocar incômodo ou inquietação. Nada se tem a fazer para uma pessoa que a perdeu no seu caminhar, ou preferiu ficar parado no túnel da escuridão.
A grande maioria dorme dentro do túnel, se incomoda e acha que a luz atrapalha.
Grandes homens, provaram que podem conquistar a luz no fim do túnel. Buscaram na esperança algo melhor. Foram ousados e corajosos, e principalmente saíram para a ação. Cientistas como Einstein, colocando em risco sua reputação, vexame e ridicularização das suas teorias. Mártires sofreram inquisições. Filósofos sendo julgados como sonhadores. Cá entre nós, mesmo que não sejamos como os grandes homens da humanidade, só de buscarmos e praticarmos o bem, torna-nos uma peça fundamental para a composição desse maravilhoso mundo, chamado ser humano.
A fé na sua essência, também está ligada de forma coesa com a esperança. São bem parecidas uma com a outra. No desespero de uma pobre alma, a fé move para uma esperança de dias melhores. Costuma-se acender vela, em momentos da prática da fé. Podemos de certa forma, dizer que a sua queima simboliza a esperança e a fé, que na essência pode também simbolizar o próprio homem.
A vela derrete para emitir luz, e o homem também dentro da sua generosidade emite e transmite luz, um compromisso dentro da missão recebida. Somos mortais como uma vela que se consome, porém, na consumação deixamos luz para o mundo ao nosso redor.
A esperança na forma ativa sempre vai nos beneficiar, mas muitos se perdem na passividade, ficam à espera de um milagre, à espera de que alguém faça por ela. A vida como um todo, nos transporta para um modelo passivo, são muitos os fatores para nos manter dispersos, para uma vida fantasiosa. O padrão de felicidade, no mundo de hoje, se baseia no material, na posse, então é muito fácil cair nas garras da fantasia. Perde-se o controle, e quando se percebe já está se deixando levar, por tudo o que é ditado como ideal. Cada vez mais intenso e inseguro na razão de ser, perde-se a noção até de onde lançar uma âncora... e fica-se à deriva nesse imenso mar de achismos.
Colocar culpa nas circunstâncias é muito cômodo.
Onde fica nossa capacidade de escolher a direção da nossa vida? Fácil ficar parado deixando a vida empurrar para qualquer direção, porque quando algo dá errado, transferimos a responsabilidade a ela, surgindo o papel de mais uma dita vítima das circunstâncias.
Esperança é diferente de expectativa.
Para os inertes, a esperança é tomada como uma expectativa, que lá no final as coisas vão dar certo. Sem âncora, sem fé, sem luz... O que esperar? Ninguém vai realizar por nós, as nossas esperanças.
Perseverança, constância, paciência... caminhar sempre, sem desistir. Às vezes, precisando fazer pausas, trazendo a prudência, mas não perdendo de vista o ponto que se quer chegar. Certos de que a luz será alcançada iluminando a treva, que um dia insistiu em permanecer.
Usando da inteligência, da força de vontade e do compartilhamento do amor... não há esperança que não seja alcançada. A parcela de cada um, ajudando essa humanidade.
Confiança e convicção de que podemos construir um futuro diferente, um mundo bem melhor.
Sermos nós em primeiro lugar, a mudança que esperamos desse mundo.
Volto a observar a senhora. Por um momento ela se desligou daquela angústia da espera. Percebi que uma criança, acompanhada por uma moça com uniforme da companhia aérea, estava esperando na porta. Precisei alertá-la, imaginando ser o seu neto. Com alegria contagiante ela foi ao seu encontro. Logo em seguida ela se aproximou e me apresentou. Agachei-me à sua estatura e apresentei-me a ele. Sua língua pátria era o inglês.
Houve três gerações nesse encontro. Gerações de conceitos e conflitos diferentes.
A Senhora vem de uma conservada tradição, a minha de transição, e do netinho a da tecnologia, já que trazia nas mãos não mais brinquedo e sim um smartfone de última geração, e na sua mochila outros tantos games.
Assim eles se despedem, e agora com mais alegria pela presença do neto, diz que o exemplo do carro será transmitido a ele; e que a esperança de uma família unida será mantida com muito fervor.
Depois de aguardar uma hora após a confirmação do pouso, lá estava ela. Bela e mais mocinha aos meus olhos. Começo a acreditar que para os pais os filhos nunca crescem. Um brilho nos olhos, abraços de saudades. Seguimos viagem de volta para nossa cidade, e entre conversas de trabalho, amigos, risos de peripécias da língua alemã; nossa família se reúne depois desse longo período de isolamento social.
A doce esperança chegou!! Se concretizou em doçura nos reunindo em amor e alegria... trazendo de volta os felizes tempos de outrora.
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