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Foto do escritorOtavio Yagima

Crônica #58 | Rotas de Fuga

Subterfúgio como estratégia de alívio



Estávamos reunidos entre amigos engenheiros, e falávamos sobre prevenção de incêndios em edificações. Entre inúmeras regras, normas e condutas, algo chamou minha atenção, levando-me para um outro lado interessante de rotas de fuga. Formou-se um meio tipo de labirinto na minha mente e, automaticamente verbalizei para os meus amigos, a sua rota, conceitos e aplicações práticas no nosso dia a dia. Eles riram de mim e um dos amigos exclamou que uma vez que pega fogo, é sair correndo; salve-se quem puder. Mas é mesmo assim? Dependendo das reações das pessoas pode virar um caos, se transformando em tragédia, ou então, com estratégias definidas encontrar uma solução. Entre chopp e pizza, um bom bate papo rolou solto.


Rota de fuga. Funciona para nossa vida, como um todo?

Fuga: se pensarmos um pouco na nossa ancestralidade humana, desde aquela época das caças para a sobrevivência; quando se deparava diante de qualquer ameaça, o que fazíamos?

Ou atacávamos, ou escondíamos ou fugíamos.

Pensando nesse nível, ainda mantemos muito dessa ancestralidade nas veias.


Quando não quisermos falar ou ouvir determinado assunto, simplesmente evitamos. Podemos nos esconder ou fugir de uma pessoa que não nos agrada. Podemos atacar, defender ou controlar determinadas situações, que nos são apresentadas. Pode-se concluir então, que somos capazes de tudo, de maneira fácil ou difícil, contra o que está fora de nós.

Mas quando a questão está dentro de nós, será que conseguimos fugir?

Se conseguirmos fugir, estaremos nessa fuga em paz?


Quando existe uma tarefa ou situação desgastante, seja em casa, no trabalho ou em algum outro lugar, a nossa mente começa a dificultar e vai em busca de estratégias para escapar daquela situação ou tarefa.

Os bloqueios que vão sendo colocados não trazem soluções, não aliviam a responsabilidade, e com isso vai-se elevando a carga. E assim, em sucessivas situações e consequentes descargas emocionais, e muitas das vezes mais perturbadoras; surgem o cansaço, a exaustão emocional, o aumento da pressão mental.

Nosso cérebro, muito esperto, seleciona as mais difíceis de serem resolvidas ou aceitas e, joga-as para os arquivos do inconsciente.

Então, aparecem as válvulas de escape, os subterfúgios, as fugas psicológicas como recursos de alívio imediato.


A questão não costuma ser muito fácil. São tantas estratégias inteligentes que nossa mente cria, que muitas vezes nem sabemos do que estamos fugindo e, tampouco que estamos fugindo.


O que fazer então? Como descobrir se é uma fuga?

Sabe quando determinado assunto nos incomoda e começamos a questionar muito sobre ele, e, no entanto, nunca concluímos? Então para “esquecer” e não concluir esse assunto importante, saímos com os amigos ou nos afastamos dos familiares ou pessoas que trazem à tona essa questão, ou mergulhamos assistindo uma interminável série na TV, ou vamos andar para espairecer... pois é, muito provável que seja um processo em andamento de fuga.


As dores da vida são marcadas a ferro quente nas nossas memórias e muitas vezes de forma feroz e absurda.

Portanto, todos nós temos momentos de fuga, ninguém está imune a isso.

Para não enfrentar o sofrimento usa-se qualquer estratégia, tudo é válido, porém, o uso da fuga não livra a dificuldade, apenas a posterga.



Um hábito pode ser confundido como um vício e, um vício pode ser uma fuga.

Lembro-me que muito tempo atrás íamos, eu e alguns amigos, seguidamente para uma pescaria no mar. Eu me envolvi no “se está estressado, vai pescar! ”. Fases assim fazem parte da vida, mas chegou um momento em que os assuntos difíceis deixados para as segundas-feiras, começaram a me incomodar. A dita procrastinação desses assuntos começou a falar mais alto e, com isso o acúmulo de estresse se tornou maior. Os assuntos ficavam brotando na minha mente durante a pescaria e, retornavam na segunda-feira, acrescido do arrependimento, por ter novamente postergado algo que não queria encarar.

Isso denotava para mim uma fuga, que eu não percebia.


Eu estava fugindo de mim mesmo, e o interessante é que assim, me tornei um prisioneiro de mim mesmo.

Então, concluir que para onde vamos, vai junto na nossa mente todas as questões internas, é muito óbvio. Mas mesmo perante o óbvio, criamos mecanismos de defesa para uma suposta ilusória solução.


Ao nos depararmos com algum problema que nos traz sofrimento, geralmente reagimos de duas formas. Mergulhamos nas emoções, na angústia, na tristeza, na aflição, mesmo não entendendo muito o porque delas; nos entregamos e sofremos com todas as suas forças e variações, podendo até resultar num trauma.

Ou de outra maneira, enfrentamos focando apenas no problema em si, deixando todas as emoções de lado. Podendo então, converter-se numa atitude de resiliência, se adaptando à situação e ou buscando soluções.


Porém, muitas vezes, cansados, exaustos, ou por alguma outra razão não muito clara, não conseguimos vivenciar nenhuma dessas formas de enfrentamento, acabamos então por abrir as portas das rotas de fuga.

Geralmente nesse momento, pensa-se ser esta a melhor escolha, às vezes deixando para os outros resolverem ou também colocando a culpa nos mesmos.

Sua ocorrência parece ser automática, nem nos damos conta da escolha da porta da escapatória.

Então, uma vez que o incêndio do desespero ocorre, essa rota de fuga escolhida de forma inconsciente, pode conduzir a um perigo maior. Os corredores das emoções precisam estar sinalizados, as portas de soluções identificadas, a luz de emergência de vida iluminada e o botão de pânico estrategicamente posicionado.

Sem isso, a fumaça da vida do “buscar um caminho mais fácil” que domina a mente, obscurece a visão do amanhã e não desaparece.


Estão nos nossos percursos, então, os passos dentro dos caminhos de fuga, que aliás, podem se tornar passos muito pesados, imobilizando, prendendo e cerceando cada vez mais nossos movimentos.

São muitas as rotas de fuga que podem se apresentar. A escolha de uma ou de outra direção, que acreditamos vão nos defender, vai depender das nossas propensões.



Perdeu a crônica de semana passada? Leia o texto na íntegra clicando aqui: Crônica #57 | Les Misérables



A comida está bastante presente nas rotas de fuga. Como é uma fonte que gera muito prazer e aconchego para nós, é muito fácil cair nas suas garras. É de fácil acesso, rápido e barato; sua variedade é tão grande e disponível que quase nos perdemos nessa fuga. Sabe aquele docinho, aquele chocolate gostoso que só de comer já nos sentimos “melhores”? Pois é, o seu prazer é momentâneo, então precisa mais e mais... e a angústia que é tão grande... e a ansiedade... elas vão aumentando para comermos mais, e assim vai, podendo chegar a uma compulsão. Como o motivo da fuga não é a comida propriamente dita, não vai funcionar, óbvio!


Assim como a comida, o álcool segue com os mesmos princípios. Atrás de um copo de bebida alcoólica, se escondem muitas emoções. De golinho em golinho, a fuga parece se tornar mais densa. Em busca de um “relaxamento” diário, ou já saindo fora de si, despejando sentimentos retidos, expondo aquela gargalhada, lágrimas ou palavras. Ou se recolhendo sozinho, num silêncio profundo e mortal.

E no dia seguinte o peso do problema se enche em outro copo, e em outro... e aí já se instalou um ciclo vicioso.

Perigosa fuga, e muitas vezes, com danos irreversíveis.


O sono também é uma das rotas de fuga. O dormir parece anestesiar tudo; pelo menos naquele tempo em que se dorme tudo desaparece. O sentimento de impotência perante o problema, leva a não querer ficar acordado vendo, insistentemente, o filme da realidade se repetindo diante dos olhos, fecha-os então para o sono. Dorme-se o tempo todo, a vontade é de nunca acordar. Na verdade, é uma vontade contida da morte, uma pseudo morte. É trabalhoso e dolorido tomar atitudes próprias, então permanece num compasso de espera pela ajuda de alguém ou talvez que a vida, num milagre, traga as soluções.

Mas, ao acordar, estará lá, estampado na sua frente o dito cujo do problema, mais vivo do que nunca.


Lembro-me do caso de uma moça, que foi apelidada pelos frequentadores do clube, de rata de academia. Frequentava todos os dias, de domingo a domingo, num tempo absurdo de atividade física. Como se não bastasse a academia, nadava, fazia corrida e andava de bicicleta. Sua vida parecia ser, um único círculo de movimentos. A atividade física é muito recomendada e de suma importância para uma vida saudável, porém, pode como fuga ocupar todo o tempo da pessoa. Não só ocupar o tempo todo, mas pode converter-se num problema maior, assumindo-se como um difícil transtorno psicológico, a complicada vigorexia.


Na fuga não sobra tempo para pensar ou focar no problema. Anda-se, corre-se, foge-se o mais longe possível, mas, o dito cujo daquele problema estará lá, paradinho, esperando ser lembrado e resolvido.


Existe uma outra fuga na rota, muito interessante e pouco visível. Conhece alguém que passa a vida, literalmente, ajudando os outros? Resolvendo os problemas alheios? Então, é essa a estratégia e o mecanismo que se utiliza. Não estamos condenando o altruísmo, de forma alguma. Esse tipo de fugitivo realmente ajuda as pessoas, ajuda todo mundo, mas se esquece de si mesmo. No ajudar todo mundo a resolver seus problemas esquece dos seus próprios; e muitas vezes enxerga que o dos outros é muito pior que os seus. Esse fugitivo na verdade fica, com essa atitude voltada somente para fora, prisioneiro de seus conflitos, seus medos, sua tristeza, enfim, dos fantasmas de seus próprios problemas.

É muito comum esse tipo de atitude não ser percebido como uma fuga.


É preciso que se entenda e diferencie os verdadeiros fugitivos dos meros intrometidos. Os intrometidos da vida alheia são bem diferentes dos fugitivos. Os intrometidos muitas vezes nem ajudam, apenas se intrometem invadindo a privacidade alheia. Geralmente nas suas falas, se dizem conhecedores de todos os problemas e suas soluções. Não é uma ajuda verdadeira, se movem mais por intenções e interesses pessoais.


Existe hoje uma fuga tão presente, oportuna e camuflada, que a maioria nem se dá conta que já está tragada dentro da sua rota: as distrações visuais. Internet, redes sociais, jogos on line, tv, filmes, séries etc.

Quem se enquadra numa situação angustiante quando não tem seu celular por perto? Ou se o perde, ou é roubado, ou se quebra? As questões difíceis e cansativas são facilmente deixadas de lado, pois as atrações abundantes e variadas na internet são praticamente hipnotizantes. Podemos acreditar que, para os mais jovens, não existe um canal de fuga melhor que esse leque de opções, oferecidas pela internet.



Confira também esta crônica escrita pelo Otavio: Crônica #56 | Bendizer ou maldizer!





Existem ainda inúmeras outras fugas, pois as rotas são sempre muito variadas e, se apresentam de acordo com as diferentes e complicadas preferências humanas.


Está você, dentro de alguma rota de fuga? Está fugindo das coisas ou da realidade?


Nem toda fuga é totalmente danosa, o excesso dos extremos sim, é danoso.

O excesso sinaliza algo não saudável, alerta de perigo.

Na presença do excesso de alguma coisa, existirá ali junto do excesso, uma falta.

O equilíbrio é essencial, lembremo-nos sempre disso: equilíbrio.

Nem muito mais, nem muito menos, no equilíbrio!


No momento em que percebermos existir uma fuga, uma pausa para reflexão é bem-vinda. A estática permanente é danosa, pois, o ser humano não se desenvolve e nem cresce num estado de paralisia; e o recuar pode ser um retrocesso de vida.


Pensar naquela situação que não gostamos e que insiste em não desaparecer. Pensar nos sentimentos nocivos, tomar consciência e procurar a raiz da sua questão. Identificar perguntando se é tristeza, se é raiva, se é inveja, se é orgulho... e seja lá o que for, tentar entender o porque de se estar sentindo.

De onde vem e de onde surgiu?

Esses sentimentos permanecem pelo simples fato, de se querer manter algum controle, ou por alguma necessidade de aprovação, ou mesmo por um capricho de um perfeccionismo? Há tantas razões, que muitas vezes, ocorre um curto-circuito no próprio circuito de uma emoção, de um sentimento, ou de uma situação.


Se estivermos em condições de nos perguntar e responder, o porque dessas questões e sua razão da fuga... ótimo! Com o devido entendimento, podemos então, tentar encontrar uma estratégia para enfrentar a questão.


Caso não consiga se entender, uma ajuda com profissionais da área de saúde mental será necessária. Aliás, todos nós, em algum ou muitos momentos de nossas vidas, deveríamos nos presentear investindo em psicoterapias para nos conhecermos melhor. Essa atitude nos amplia a mente, fazendo-nos enxergar, às vezes, o óbvio que estava escancarado na nossa frente. Autoconhecimento: imprescindível.

Não se resolve nada apenas fugindo.


A manutenção que exige uma fuga emocional, pode se tornar um tormento, trazer satisfações irreais e o escamoteamento da própria realidade de vida. É como andar num campo minado, sempre com medo de pisar em lugar errado e no momento equivocado. A tendência é o cansaço e o agravamento das questões, podendo levar ao surgimento de transtornos profundos de comportamento, e consequentes patologias graves; situações mais sérias, de difícil solução.


Entrar em contato com as nossas emoções, entender nossos sentimentos, nossas dores, traições, tristezas mal resolvidas, perdas não digeridas, guardadas e veladas de forma inadequada... Trazer à tona esses conteúdos, entender, ressignificar de uma forma coerente e saudável para o nosso eu; realmente não é uma tarefa fácil e nem muito agradável. Porém, as dores quando compreendidas, acolhidas e enfrentadas, trazem aprendizados.

Carregamos tantas memórias de emoções e muitas vezes nem sabemos como e porque surgiram.


Toda crise traz consigo momentos de muito crescimento.

Admitir que somos falíveis e ir em busca de nos conhecer cada vez mais, nossas qualidades, dificuldades, crenças, limites... entender que a negação é um processo danoso e que mesmo com todas as dificuldades, é mais efetivo encarar com o enfrentamento. Poderá doer, e às vezes doerá muito. Mas, o bem-estar e a alegria de viver surgirão ao nos dispusermos, de maneira verdadeira, a superar as fugas psicológicas.



Que bom seria se pudéssemos dar um reset, clicar em atualizar para introduzirmos imediatamente, novas e mais corretas versões, no nosso cérebro. Organizar o seu arquivo, suas memórias, descartar as memórias indesejadas e ruins, substituindo e construindo outras novas.

Vivemos atualmente num mundo tecnológico, em que tudo acontece e chega a todos instantaneamente, tudo muito rápido, onde a pressa e a impaciência não permitem um entendimento ou uma digestão ideal.

Nunca se exigiu tanto do ser humano, do seu desempenho, da sua performance.

Não existe milagre e nem uma fórmula pronta e fácil. Tudo acontece num processo gradual, que a cada vitória, por mais insignificante que se apresente, vai servindo de base, nos fortalecendo, nos oferecendo mais autoconfiança, segurança e, nos capacitando a novos e maiores desafios.

Um dos passos necessários para superar as fugas, é assumir e encarar as próprias dificuldades.

Ninguém atinge o cume de uma montanha, sem antes haver superado todas as dificuldades, e os obstáculos iniciais das suas baixadas.


Criando em nós uma proposição, de estarmos atentos e conscientes em relação a apelar ou não por subterfúgios; as portas de soluções existentes se mostrarão mais visíveis.


Podendo, portanto, optar por estratégias demarcadas em passos precisos, onde se pode caminhar com autonomia e segurança por entre as questões, de fora ou de dentro, das densas tramas que revestem as rotas de fuga.




 

Que tal baixar e compartilhar trechos dessa crônica com a galera?





 

Staff que trabalha para as Crônicas chegarem até você


• Cronista e filósofo neo

Otavio Yagima


Coautora

Maria Hisae


• Narração

Patrícia Ayumi


• Artes

ThIago Martins


• Edição

Leonardo Fernandes



 

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