Por um mundo melhor.
O que você encontrará nesta crônica:
"Como você sente o momento atual da humanidade? Estamos imersos em tempos turbulentos, com o mundo se movendo em direções opostas e confundindo mentes que vagam à deriva, sem rumo e sem clareza. Muitos já se perderam em certezas e miragens que nunca foram reais. Seria o fim dos tempos diante de tanto caos ou uma transição para um novo modo de viver? Que caminho devemos seguir: aceitar o estado atual e sermos prisioneiros de um sistema, ou encontrar a coragem para iluminar as feras e as trevas que ainda habitam em nós, redescobrindo nossa verdadeira essência? Onde está a solução para o nosso mundo?"
I. No rico meio do nada.
O nosso panorama mundial, marcado por tempos turbulentos, revela o quanto estamos vivendo em marés inquietas. O mundo se assemelha a um tabuleiro onde peças se movem em direções opostas, confundindo mentes que vagam à deriva, sem bússola, sem rumo. Muitos já se perderam nas certezas e nas miragens que nunca foram reais. Será que estamos, finalmente, chegando ao limite de nossos modos de vida, saturados pelos velhos hábitos e valores? Talvez tenha chegado a hora de reescrever as regras, de abrir espaço para novas formas de pensar, viver e ser. O ápice, ao que tudo indica, não é um ponto final, mas o prenúncio de um novo começo.
Diante das contradições complexas que nos envolvem hoje, minha mente relembra aquele tempo, recém-saído da faculdade. Eu era um jovem engenheiro, prestes a encarar meu primeiro desafio como profissional autônomo. Diante da responsabilidade de colocar em prática todo o conhecimento acumulado ao longo dos anos de estudo, uma empolgação se misturava com a ansiedade em meu peito. A missão era executar uma edificação de mil metros quadrados, um tipo de barracão.
O local escolhido tinha um propósito muito específico: seria usado para o cultivo de cogumelos. Por isso, a obra aconteceria em um sítio entre as montanhas, uma vez que a umidade e a temperatura eram perfeitas para essa atividade. Diante dessa peculiaridade, o sítio ficava bastante distante de uma cidade do interior. Naquela época, sem a conveniência dos celulares e da tecnologia moderna, a preparação para a obra exigia um planejamento minucioso e orgânico. Precisávamos estar atentos a cada detalhe, garantindo que nada faltasse, desde as ferramentas até a comida, passando pelos sacos de dormir e equipamentos de segurança.
A estrada até a pequena cidade mais próxima era excelente, pavimentada e fácil de percorrer. No entanto, à medida que nos aproximávamos do nosso destino, tudo mudou. A chuva que caíra na madrugada anterior havia transformado a estrada em um lamaçal quase intransitável, além de uma densa neblina que cobria os vales, como se quisesse nos desafiar a seguir adiante.
Ao chegarmos, uma pequena casa simples nos aguardava, e serviria de base para o nosso trabalho. Havia apenas uma sala, uma cozinha, um quarto e uma varanda. Tudo era muito modesto: as portas e janelas sem trancas, as paredes de taipa, o telhado de barro e o chão de piso rústico vermelho. Aquele cenário de simplicidade parecia conduzir não apenas a uma construção física, mas a algo mais além. Com toda a sua rusticidade e isolamento, representava, de certa forma, o início de uma nova etapa em minha vida, onde eu aprenderia que, muitas vezes, o mais importante não é apenas o que se constrói, mas como se constrói.
Com o terreno preparado, aguardávamos a chegada das máquinas de terraplanagem. Pelas dificuldades que enfrentamos, sabíamos que não seriam poucas também para a chegada das máquinas. Ainda assim, os equipamentos finalmente chegaram.
Com o projeto em mãos, começamos a demarcar o terreno para que as máquinas pudessem entrar em operação. Não tínhamos a facilidade dos sistemas de GPS; a bússola era nossa única aliada para o posicionamento.
A teoria, que eu dominava bem, me mostrou suas limitações. Na faculdade, as equações e fórmulas pareciam sempre suficientes, mas ali, no meio do nada, percebi a falta que fazia uma formação mais ampla, que incluísse disciplinas de humanas e preparasse melhor para uma realidade mais complexa do que uma simples equação.
Il. Sob o brilho do céu noturno.
Eu tinha o hábito de, à noite, revisar as tarefas executadas e me programar para as atividades do dia seguinte. Estava imerso nos projetos, até que a luz se apagou. A escuridão se espalhou por todos os cantos. Sem energia elétrica, os papéis à minha frente tornaram-se inúteis, e a realidade me surpreendeu novamente. Acostumado à segurança da cidade, não havia pensado em lanterna ou velas.
A falta de preparo e a inexperiência em campo se revelaram ao longo de todo o trajeto percorrido. Sem muito a fazer, acomodei-me numa rede que estava na varanda. A brisa suave da noite indicava o frio que viria com a madrugada. O calor do dia, que atingira 29 graus, cedeu lugar ao frio intenso de 10 graus à noite. No entanto, aquele momento de pausa forçada no trabalho acabou se revelando uma dádiva. Ali, bem longe da correria da metrópole, surgiu a possibilidade de me conectar com a natureza de uma forma que me preencheu com um sentimento que eu ainda não conhecia.
Ouvia os sons agudos dos morcegos cortando o ar, o vento passando entre os pés de café e, de vez em quando, o latido distante de um cachorro... Tudo isso compunha uma sinfonia única. Ao me reclinar na rede, uma visão deslumbrante se descortinou diante dos meus olhos: um belíssimo céu estrelado onde a Via Láctea brilhava com uma intensidade que eu jamais havia visto.
Enquanto estava perdido em meus pensamentos, uma luz começou a se aproximar em minha direção. Era o caseiro, Seu Zé do Café, com seu lampião à moda antiga. Ele se aproximou da casa com a tranquilidade de quem vivia ali há 53 anos, conhecendo cada detalhe daquele lugar como a palma de sua mão. Sua presença, simples e acolhedora, trouxe não apenas luz para aquela escuridão física, mas também uma calma que, até então, nem eu sabia que precisava. Aprendi, naquele instante, que em meio aos desafios técnicos e à minha falta de experiência, haveria sempre um espaço para o improviso, para a paciência e a beleza presente nas pequenas coisas que a vida nos oferece.
“Boa noite, patrão,... Vim trazer um lampião. A força não vai voltar logo, não, senhor...”
“Boa noite. Obrigado pela sua gentileza. Mas o senhor deveria estar dormido a essa hora; precisa acordar cedo para a roça...”
“Não carece de preocupar, não. Trouxe batata-doce que a patroa assou na brasa, e também polenta.” - respondeu Zé com a simplicidade que lhe era peculiar.
“Meu grande amigo, que bela surpresa! A fome já estava nas alturas das estrelas. E que noite linda está hoje!!” O jantar, que surgiu de uma trouxa de pano delicadamente bordada, parecia uma obra de carinho. Sob o céu estrelado e à luz do lampião, degustei aquela refeição com o apetite de quem havia encontrado um verdadeiro banquete.
“Senhor, qué uma cana?” – perguntou Zé, tirando de uma sacola um corote de cachaça. Não pude desonrar seu convite. Mesmo sem estar acostumado, aceitei de bom grado um pouquinho daquela cana. Zé deu uma gargalhada ao ver minha expressão amarrada. Confesso que a bebida queimou a garganta, mas, em seguida, aqueceu até os meus pés.
Que bálsamo inesperado foi a conversa despretensiosa envolta naquela atmosfera tranquila do campo. Com seu riso fácil e sua sabedoria simples, Seu Zé me ensinava muito mais do que eu imaginara. Era como uma troca entre mundos, entre a minha engenharia técnica e o conhecimento prático de um homem que conhecia profundamente a terra e seus mistérios. Na companhia dele e sob o céu imensamente estrelado, naquela noite, compreendi que a vida no campo não era apenas um desafio técnico, mas uma lição constante de humildade, respeito e adaptação.
lll. Fim dos tempos?
A complexidade dos tempos que vivemos hoje facilmente obscurece a simplicidade e a tranquilidade, afastando-nos de uma necessária reflexão mais profunda sobre o que realmente importa em nossas vidas. Senti que a serenidade e a beleza singela das pequenas coisas que compunham a vida no campo ofereciam uma paz que, no turbilhão da modernidade, parece inatingível. No meio da escuridão da noite e da tranquilidade que envolvia o sítio, aquela vida parecia, paradoxalmente, mais rica e significativa do que esta nossa era, definida pela constante busca por mais, por novo, por melhor.
Hoje, penso e sinto que aquela noite, sob a luz fraca do lampião, me fez perceber que a grandiosidade não está apenas nas grandes obras ou nas conquistas grandiosas, mas também na paciência, na dedicação silenciosa e na sabedoria de quem, dia após dia, cultiva a simplicidade e o amor pelo que faz.
Aquele estilo de vida simples que vivenciei me serve como um lembrete de que, para encontrarmos o equilíbrio, precisamos estar abertos e dispostos a adotar uma nova forma de viver. Parece nos convidar a um retorno às raízes da simplicidade, à apreciação das pequenas coisas e à capacidade de estar presente no momento.
Como você sente este momento atual que a humanidade está vivendo?
É o fim dos tempos diante de tanto caos ou estamos em uma fase de transição?
À beira de um novo modo de existir? À beira de uma nova terra?
Este mundo cheio de paradoxos, tão cheio de ruídos, correria, regras e obrigações que oprimem e silenciosamente devoram nosso tempo de vida com uma busca incessante por algo que nem mesmo sabemos definir, parece mais com um botão de auto detonação pronto para disparar pelas inversões de valores. O que podemos fazer nesse universo humano?
Que caminho devemos seguir? O mais fácil, aceitando passivamente o estado das coisas e nos mantendo escravos do mundo moderno? Ou encontrar a coragem para iluminar as feras e as trevas que ainda habitam em nós, redescobrindo nossa verdadeira dimensão e trazendo novas perspectivas e esperanças?
Se continuarmos no caminho atual, corremos o risco de colapsar e comprometer nossa essência humana. Essencial seria agir para resgatar os princípios humanos que têm sido obscurecidos, camuflados e conflitados pela inação e pelo conformismo. Afinal, assim como em muitos momentos de nossas vidas, as fases de escuridão são passageiras e podem ser superadas com determinação e coragem.
IV. O ponto da solução.
Naquela noite em que os projetos que antes faziam sentindo tornaram-se inúteis na escuridão, a única solução era expô-los novamente à luz. Quando colocamos um projeto ou plano de vida à luz, tudo começa a ter outra dimensão. Passamos a enxergar claramente os detalhes, percebendo a tridimensionalidade do que antes parecia plano, e entendemos a profundidade do proposto. Sem essa exposição, não captamos o sentido das linhas e a direção em que se movem; o mesmo acontece com as cores e a noção de dimensão. Assim também acontece com a maneira como vivemos: se não iluminarmos nossa vida, nossa existência será limitada e obscurecida. Perceberemos e conheceremos apenas uma ínfima fração do que ela realmente é. A vida é ampla, e há portais lindos e maravilhosos que se abrem quando aceitamos, apenas aceitamos, sua plenitude.
Ao lado do Seu Zé, a conversa fluía naturalmente.
A profundidade de suas palavras, um lavrador simples que não havia tido contato com livros acadêmicos ou teorias complexas, revelou o quanto ele era repleto de sabedoria.
Sua vida simples em harmonia com o que estava ao seu redor, onde cada um conhecia o seu devido lugar. Entendia, a seu modo, que cada pessoa carrega um mundo peculiar dentro de si, que não precisa ser validado pelos outros, mas que deve ser vivido com autenticidade, respeito, bondade e responsabilidade.
Suas palavras que foram além da lógica das ciências exatas; eram lições sobre a vida que me fizeram perceber o quanto somos parte de um vasto universo, mas, ao mesmo tempo, habitamos nossos próprios mundos particulares.
Meu mundo era diferente e eu era ainda muito imaturo naquela época, mas senti que Seu Zé estava perfeitamente ajustado ao seu mundo, e naquele momento, eu abracei a simplicidade dele. Hoje questiono: quantos de nós estão perfeitamente ajustados ao seu mundo? E quantos de nós estão preocupados em tornar este mundo um lugar melhor para todos ao redor?
Seu Zé, que vivia em um ritmo diferente, num tempo quase esquecido por nós, não precisava de muitas coisas para ser feliz; apenas o mínimo e o suficiente, pois já havia encontrado o que era essencial para a vida.
Será que nós estamos perdendo o essencial?
Estamos tão obcecados com a tecnologia que nunca lembramos de parar e ouvir o que a natureza tem a nos dizer. Podemos afirmar que nosso mundo se tornou uma máquina que precisa ser alimentada incessantemente com inovações e novidades, e cada vez com mais velocidade. No entanto, por fim, será que isso nos faz mais felizes e plenos?
Não estaríamos, assim, nos distanciado daquilo que nos torna humanos?
Estaria talvez a solução em olhar para dentro, desacelerar, e redescobrir a simplicidade que fomos perdendo ao longo do caminho?
Onde está a solução?
Aos meus olhos, é perfeitamente possível acreditar que no horizonte se desenha uma nova terra, onde o respeito, a paz e a fraternidade predominam entre os homens. Um mundo melhor, mais justo, onde a esperança não é apenas um ideal distante, mas uma realidade em construção. E essa mudança não depende de forças externas; ela começa dentro de cada um de nós. Está em nossas mãos, no nosso dia a dia, nas pequenas escolhas que fazemos.
Depende de cada um de nós!
Estar preparado para essa nova terra exige não apenas uma reavaliação das nossas prioridades, mas também uma abertura para o que a simplicidade tem a nos oferecer. Este mundo valoriza o complexo, o sofisticado, e a simplicidade é confundida com falta de ambição. Aprender a desapegar da complexidade desnecessária e a sair da obscuridade em que muitas vezes nos encontramos.
Limpar e clarear nossas mentes e corações, expressando a essência da vida para nos guiar com sua luz, orientando-nos na jornada em busca da verdade, da justiça, da simplicidade das relações autênticas e da harmonia da paz interior.
A paz que transcende os conflitos e a justiça que é um reflexo da nossa própria integridade. Nessa pureza acessível reside o verdadeiro poder de transformação, o poder que habita o interior dos Homens de boa vontade.
Eis que está no homem o ponto da solução!
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Esta é uma obra editada sob aspectos do cotidiano, retratando questões comuns do nosso dia a dia. A crônica não tem como objetivo trazer verdades absolutas, e sim reflexões para nossas questões humanas.
"Agradecemos a Fernanda Yukari pelo trabalho incrível que fez nas artes da crônica de hoje. A maneira como você capturou a essência do texto e a trouxe à vida com as suas criações é simplesmente admirável. Cada detalhe transparece carinho e dedicação, e isso realmente fez toda a diferença!"
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