Por entre as dimensões da existência.
O que você encontrará nesta crônica:
"O fato de estarmos imersos nas esferas da vida, com suas diversas camadas e dimensões, nos confere uma certa complexidade na compreensão e na consequente organização delas. Trazer maior clareza sobre seus mecanismos de interação pode proporcionar um desenrolar mais consciente e intencional das nossas experiências. Será que questionamos corretamente a natureza das nossas prioridades, compreendendo suas interconexões e o impacto que cada uma tem no todo? Como você acha que a interação entre as esferas pode moldar e equilibrar a construção de uma vida harmoniosa e significativa?"
I. Bolinhas de sabão.
O cenário se revelava um verdadeiro encanto, com sua igreja bem conservada no coração da praça e uma fonte de águas minerais que jorrava generosamente, oferecendo refresco e satisfação a todos. O tempo marcava o final do outono e, já com ares de inverno, a cidade se vestia com um frescor suave, prometendo a chegada de dias mais frios com um toque de serenidade.
A praça estava viva com os muitos carrinhos de passeio, empurrados por senhores de cabelos brancos, que ofereciam às crianças momentos de encanto e diversão. Desenrolava-se diante dos meus olhos um tipo de dança de gerações, evidenciando um contraste entre a inocência das crianças e as marcas de uma vida percorrida pelos mais idosos. Eu estava sentado em um banco próximo ao ponto de partida dos carrinhos, conversando com um casal e sua netinha de cinco anos sobre as nossas diversas fases da vida.
De repente, o suave vento trouxe consigo uma tempestade mágica de bolinhas de sabão.
Era uma explosão de alegria, um espetáculo que se desenrolava diante de nossos olhos, embalado pelos risos e gritos de encantamento de um grupinho de crianças. O ar estava saturado de uma alegria contagiante e palpável, enquanto as crianças pulavam, corriam e giravam, estendendo as mãozinhas na tentativa de pegar as bolhas que flutuavam e deslizavam lentamente ao redor delas. Nesse momento, a netinha, com um sorriso aberto, simplesmente se lançou junto às outras crianças para dentro da festa de cores e formas.
Cada bolha estourada parecia liberar um pequeno milagre, irradiando uma explosão de entusiasmo e brilho. Um turbilhão de movimento e som preenchia o ar com uma dança lúdica e efêmera, onde as bolhas brilhantes e multicoloridas se moviam como esferas de cristal, refletindo a luz do sol e criando um arco-íris efêmero que flutuava e girava suavemente antes de estourar em uma nuvem de risos.
Pelo meu lado, aproximou-se o senhor das bolinhas de sabão, um mago que, com seu bastão, parecia criar e comandar aquela magia efêmera, mas que irradiava pura beleza. Eu o observava encantado enquanto as bolhas subiam e desciam, variando entre pequenas e grandes. Meu peito se inflava com reflexões profundas diante de tamanha beleza. Algumas bolhas estouravam rapidamente, outras subiam desafiando a gravidade, enquanto as crianças corriam para alcançá-las. Muitas bolinhas vieram também em nossa direção.
O tempo parecia ter parado quando essas esferas flutuavam quase imóveis diante de mim. Elas refletiam todas as cores do arco-íris e o cenário ao redor em sua superfície translúcida. Eu me perguntava como algo tão belo, que desafia as leis da física, poderia existir em uma simples bolha de sabão. Composta apenas de água, ar e sabão, ela exibia a magnífica mecânica do Divino. O ar dentro da bolha precisa estar em equilíbrio perfeito: nem excessivo, para que não dure pouco, nem insuficiente, para que não caia. Assim como no mundo coletivo, onde a matéria sólida nos mantém ancorados. Poderíamos ser como aquelas bolhas: simples em nossa composição e exuberantes na beleza e no brilho dos nossos princípios.
Em uma união de vida, alma e forma, como água, ar e sabão, brilhamos como um reflexo da semente divina. A natureza nos mostra que, mesmo na película fina de uma bolha, a luz é intensa. Então, por que, com toda nossa capacidade de inteligência, não somos capazes de preservar a clareza e a luminosidade em nossas vidas?
O senhor das bolinhas de sabão, com um novo sopro, fez com que as bolhas que antes pairavam se dissipassem e fossem substituídas por novas, em um ciclo que se assemelhava a um sopro divino.
Que sopro é esse que preenche nossa esfera?
Il. Das microesferas às esferas maiores.
Embora criadas do mesmo líquido e pelo mesmo sopro, cada bolha de sabão, assim como cada um de nós, é única em forma e trajetória. Uma pequenina microesfera, uma bolha de consciência que orbita em seu próprio espaço e tempo. Cada qual carrega uma história particular, uma infinidade de memórias, sonhos e medos que a tornam singular. Algumas flutuam suavemente, enquanto outras parecem seguir uma trajetória errática antes de estourar. Mesmo que apresentemos semelhanças uns com os outros, cada um de nós possui sua própria individualidade. Essa individualidade se expressa como o reflexo da nossa própria essência, produto de circunstâncias e fatores distintos, que manifesta em nossa beleza e singularidade. As bolhas de sabão, criadas a partir da mesma mistura básica, assim como nós, se diferenciam pela maneira como cada uma reflete a luz e reage ao vento, moldando uma combinação única de experiências, valores e influências pessoais.
O casal de avós, ao ver a alegria e a inocência da netinha diante do encantamento provocado pelas bolhas de sabão, se emociona e prossegue contando a dura realidade que afetou profundamente a filha deles, mãe da criança que ali estava. Disse o avô que o horizonte de sua filha estava muito fragilizado e, desde então, o tempo assumiu um ritmo diferente. O diagnóstico de uma doença avançada trouxe à tona novas e diferentes perspectivas, afetando toda a estrutura e bem-estar de toda a família. Houve necessidade de redefinir suas prioridades diante da progressiva limitação física, até mesmo dos seus momentos de lazer, cuidadosamente escolhidos, ajustando-se às novas restrições.
Enquanto as bolinhas de sabão flutuavam e estouravam sob o sol daquela tarde, falávamos sobre sua breve existência e sua delicada beleza, lembrando a natureza efêmera de todas as nossas experiências.
O contraste evidenciado entre a simplicidade da alegria infantil, refletida na netinha que brincava, e as complexidades da vida adulta de sua mãe destacava a necessidade de buscar um equilíbrio autêntico e satisfatório, mesmo diante do desmoronamento de seu horizonte pessoal. Em situações adversas e períodos difíceis, as diferentes fases da vida oferecem percepções variadas das esferas da vida, moldando e refletindo nossa identidade pessoal.
Cada um de nós, com nossas identidades individuais, se assemelha a uma dessas microesferas, inseridas em esferas maiores.
Nascemos e crescemos aprendendo e assumindo valores dentro da família, nossa primeira esfera de influência. À medida que expandimos nossas interações com o mundo ao nosso redor, surge a sociedade, uma esfera maior que ambienta nossas interações com outras bolhas e exerce um impacto mais amplo através de nossas ações e decisões, moldando e influenciando o coletivo.
Por extensão, isso impacta uma esfera ainda maior: a da humanidade, onde cada microesfera tem um papel essencial. A dança do coletivo nessa grande esfera global seria incompleta sem a presença e a ação de cada bolha. Assim, portanto, a individualidade deixa de ser apenas um reflexo da singularidade pessoal, tornando-se um componente vital na evolução e dinâmica das esferas maiores. Cada expressão pessoal, cada ação e cada escolha ajuda a construir a vasta tapeçaria da humanidade, evidenciando o impacto profundo e essencial que cada um de nós pode ter no mundo.
Pensar com mais profundidade sobre o impacto de nossa individualidade fica mais claro quando analisamos a totalidade de nossas experiências e interações. Nossas vidas estão sempre entrelaçadas com as de outras pessoas. Nossas interações sociais influenciam e são influenciadas pela dinâmica dos diferentes contextos e esferas em que estamos inseridos. Considerar os diferentes aspectos ou dimensões das experiências humanas como esferas da vida – família, trabalho, relacionamentos, saúde, lazer e espiritualidade – não é uma dança suave, mas uma complexa coreografia de ajustes constantes.
Cada esfera possui sua própria natureza, beleza e importância, interdependentes e interconectadas, influenciando-se mutuamente e refletindo nas diferentes dimensões do nosso entendimento e experiência de viver. Quando cada uma dessas esferas é considerada e equilibrada, garante que o bem-estar não seja uma ilusão distante, mas uma realidade presente e vivida. A questão que se impõe é: até que ponto estamos conscientes dessa estrutura e como nos organizamos para navegar por ela de maneira harmoniosa, evitando os conflitos entre as diferentes esferas?
lll. A fragilidade do equilíbrio.
À medida que algumas esferas se encolhem e outras se expandem, aprendemos que o verdadeiro equilíbrio não está em manter todas as esferas perfeitamente alinhadas. Em vez disso, está em aceitar e ajustar-se às mudanças que a vida impõe.
A verdadeira paz não reside em controlar todas as esferas da vida, mas em encontrar beleza e significado no reequilíbrio constante que a vida, com todas as suas complexidades, oferece.
Mais uma explosão de bolhas de sabão se espalha pelo ar, capturando e refletindo a luz e revelando um novo espetáculo de múltiplas cores e formas que se transformam conforme o ângulo da luz e a posição da bolha. A avó é surpreendida pela netinha, que traz em suas mãos uma bolinha de sabão, que estoura assim que tenta, inocentemente, presenteá-la. A delicada beleza da bolha permanece intensamente presente, mesmo diante da fragilidade daqueles breves momentos. Cada bolha de sabão forma seu próprio universo, flutuando com sua efêmera e delicada dança. Assim são também nossas vidas: frágeis e temporárias, brilhando cada qual com sua própria e singular beleza.
Os avós, semelhantes ao flutuar das bolhas de sabão, com suas mentes instáveis e incertas diante da triste situação de sua filha, estão a navegar pelas esferas da vida, tentando encontrar alegria e significado frente à complexidade de seus tempos. Naqueles breves momentos de apreciação das bolinhas de sabão junto de sua netinha, eles necessitavam encontrar alegria apesar do sofrimento.
A arte de viver, elemento necessário para cada um de nós, pode estar em como classificamos e organizamos nossas esferas. Muito sábio seria, então, ao invés de tentar encaixar nossas esferas na mesma forma ou medir o valor de uma contra a outra, talvez devêssemos simplesmente admirar cada bolha por sua essência. Assim como uma bolha de sabão reflete a luz de maneiras diferentes, cada um de nós reflete seu brilho dentro de sua própria complexidade e beleza, de forma única e insubstituível.
Como as variações na refração da luz nas bolhas, nossas diferenças conferem profundidade e riqueza ao panorama multifacetado da vida. Se pudermos, através da diversidade, tecer a harmonia, a verdadeira beleza emergirá da interação entre todas as formas de ser. A verdadeira sabedoria talvez resida em saber ocupar nosso lugar com clareza e respeito, reconhecendo a importância e valor de cada esfera na grande dança deste imenso universo, aprendendo a ver a grandeza na simplicidade e a beleza na efemeridade de nossas próprias bolhas de sabão.
Que esfera do vasto multiverso estamos habitando?
Estamos, de fato, empenhados em ações que elevem nossa existência e nos tornem verdadeiramente humanos neste vasto e complexo cosmos?
Em qual bolha de sabão estamos flutuando neste momento?
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Esta é uma obra editada sob aspectos do cotidiano, retratando questões comuns do nosso dia a dia. A crônica não tem como objetivo trazer verdades absolutas, e sim reflexões para nossas questões humanas.
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