Vazio do zero... Começo ou fim de ciclo?
O que você encontrará nesta crônica:
"O que é a vida para você? Muitos apenas correm atrás de marcos e, um dia, poderão se deparar com o ponto zero - aquele exato instante em que o que já foi perde o peso, e o que virá ainda não tem forma. Aquela ausência de movimento, aquele vácuo de sentido, de onde pode emergir o potencial da renovação, a chance de recriar um caminho, de redefinir o que fomos e abrir espaço para a grandeza que ainda podemos alcançar. Libertar-se das amarras do passado, fechar ciclos, abrir portas que antes sequer existiam. Você já sentiu o impacto do vazio do zero - aquele ponto em que tudo pode ser um fim ou um novo começo?"
I. O intrigante zero.
A vida de um engenheiro é sempre cercada por cálculos e revisões constantes nas obras. Entre números e medidas, meus dias são feitos de precisão.
Em uma dessas obras, deparei-me com algo a que, até então, não tinha dado tanta atenção: a intrigante questão do enigma do zero.
“Neco, você colocou a trena no início ou na marca do zero?” perguntei, indicando o ponto inicial, onde um prego marcava o começo da medida.
“E faz diferença?” ele questionou, franzindo a testa com uma risadinha desafiante.
“Claro que faz, Neco, é no zero!” respondi, permitindo que uma energia intensa se infiltrasse em minha voz, talvez mais do que a situação realmente exigia.
Inocentemente, ele hesitou e, em dúvida, parou. Confuso, tateava a trena em busca de uma marca que o tempo já havia desgastado. E, naquele breve silêncio, percebi que ele estava dentro da sua razão, enquanto eu, em minha precisão rigorosa, não enxerguei a simplicidade de sua dúvida. Rendendo-me ao momento, suspirei e, com um sorriso de compreensão, pedi desculpas pela rigidez na minha fala.
O zero é um conceito matemático aparentemente simples, mas que, em uma interpretação profunda, pode tomar rumos paralelos, direções inesperadas ou até mesmo sentidos opostos. Ele é um enigma. Por si só, em sua essência, é apenas um vazio, neutro e inofensivo, que preserva o resultado quando somado ou subtraído. No entanto, gera incógnitas quando aplicado na multiplicação, pois qualquer número multiplicado por zero resulta em zero; seu poder então é curioso, anula tudo, transforma qualquer grandeza em nada. E, quando usado na divisão, qualquer número dividido por zero deixa de existir ou se torna indeterminado - um ponto de ruptura.
Há tantas outras aplicações para o zero, mas paremos por aqui. Mas não consegui parar; não consegui me desligar da ideia do zero. Para Neco, o zero parecia indefinido, gerando dúvidas e incertezas sobre qual ação tomar. Sem perceber, transportei o zero para o cotidiano, encaixando-o nas entrelinhas de nossas vidas.
De onde viemos? Talvez a resposta mais direta e cruel seja: viemos do zero.
Mas, assim como o zero, talvez exista algo mais profundo por trás - um vazio que não é só vazio, mas uma potência latente, esperando ser preenchida; uma dimensão que se desdobra em significados, em sentidos que nem sempre percebemos à primeira vista.
Nós somos uma complexa composição celular, conectada e disposta de uma maneira atômica que o ser humano ainda não consegue compreender plenamente. Vivemos e seguimos nosso caminho, distraídos, sem notar e sem questionar o real objetivo de nossa existência e o verdadeiro propósito que nos une neste vasto universo.
Um momento de pausa para reflexão seria não apenas bem-vindo, mas essencial - como um retorno ao ponto zero, para reavaliar nosso caminho.
À medida que a medicina avança, descobrimos que alguns de nossos órgãos, como o coração e os rins, podem ser substituídos, tal como peças de uma máquina. Contudo, essa máquina, paradoxalmente, continua a insistir em sentir.
Se tudo o que somos é matéria, surge a questão: onde, afinal, residem nossos sentimentos? Em quais órgãos habitam nossa fé e nossa generosidade? E, mais profundamente, em que espaço se escondem as dimensões imateriais do que somos? Assim como o zero representa um ponto de partida, um vazio cheio de potencial, talvez seja nesse espaço invisível que se encontre a essência de nossa humanidade. Nesse ponto zero, onde o físico se encontra com o imaterial, podemos refletir sobre a natureza de nossa existência.
Il. O ponto de absoluto silêncio.
O zero é, simultaneamente, o início e o fim de um ciclo, dependendo do ponto de referência em que nos encontramos e do ângulo sob o qual o observamos. Ele pode estabelecer um limite absoluto e também revela sua verdadeira natureza e essência quando unido ao Uno. Sem essa Unicidade, tudo permaneceria inerte, imóvel, estático.
Na obra, Neco teve plena razão ao perguntar: será que o início e o zero são a mesma coisa? Ao rompermos com a matriz de ideias que nos envolve, podemos discordar em forma e pensamento. As infinitas possibilidades que cruzam o caminhar de nossas vidas podem gerar resultados múltiplos, mas o destino pode ser um só. Nós determinamos quando o zero marca o fim de um ciclo; e, com isso, o passado perde sua força e pode deixar de existir. Na matemática simples da vida, antes de qualquer número, o zero nada acrescenta; mas, ao se unir ao Uno, ele adquire proporções gigantescas.
O zero é uma propriedade que define o rumo que queremos tomar na vida.
E quando podemos aplicar essa ideia? Em qualquer fase da vida, desde que haja coragem para zerar e recomeçar. Necessário se faz um ato pleno de força e determinação, além da convicção de quem se lança ao desafio do desconhecido, aceitando a ausência de garantias e recriando o próprio caminho. O que você faria se tivesse a chance de começar de novo, como se estivesse zerando sua vida?
E, mais uma vez, começamos de novo com o Neco falando: “Olha, é simples... Eu ponho a trena aqui, na marca do dez, e o senhor tira dez da medida final! No fim, dá na mesma, só que é por um caminho diferente, certo?”
Com essa simplicidade engenhosa, Neco trouxe uma solução inesperada, oferecendo uma pequena aula sobre o poder de ajustar o ponto de partida e o destino. Entre o zero e o um, ele encontrou uma alternativa, sem desprezar o equipamento, sem contestação e sem complicar o processo.
Essa habilidade de deslocar o início e o fim talvez não seja tão difícil quanto parece e pode estar presente em todos nós. Então, por que não tentamos incorporar essa abordagem em nossas vidas? Podemos adaptar nosso ponto de partida, flexibilizar o trajeto, sempre mantendo em vista o resultado desejado. Afinal, o importante não é apenas onde começamos ou terminamos, mas a clareza do caminho que escolhemos percorrer.
Em que momentos da sua vida você já sentiu que precisava recomeçar do zero?
Nessa cultura em que vivemos, que valoriza o “crescer e somar”, somos levados a ver a vida como uma corrida sem fim em direção a marcos visíveis. Mas e se o verdadeiro poder de qualquer vida, ideia ou projeto residisse não apenas nesse impulso para avançar, mas também nos momentos de pausa e renovação?
O zero nos convida a refletir sobre isso, a abraçar a riqueza do nada e a entender que, muitas vezes, a verdadeira evolução começa na pausa. Afinal, nossas vidas nunca foram compostas de uma única e contínua fase, mas de ciclos que se abrem e se fecham. Às vezes, como no cálculo, o zero define condições e mudanças radicais, obrigando-nos a redefinir tudo a partir de uma base nova e limpa. Como aquele ponto de absoluto silêncio antes de qualquer movimento, em que o nada não é um vazio qualquer; é o espaço com solo fértil onde a mudança começa a ganhar forma, onde tudo pode emergir e se multiplicar, ou se dissolver e recomeçar.
O que significa, para você, zerar um ciclo e abrir um novo?
lll. Retorno ao ponto zero.
A aceitação do zero em nosso caminho pode nos oferecer a liberdade de respirar, a liberdade do ser, de olhar para dentro e de permitir o semear e o germinar de novas sementes. Às vezes, é no vazio que encontramos as respostas que buscamos, e apenas no silêncio seremos capazes de ouvir a voz da transformação.
Você já parou para pensar em como fechar um ciclo de forma consciente pode ser libertador, abrir novas portas e revelar oportunidades inesperadas para sua vida?
No dia seguinte, logo que cheguei à obra, veio Neco apressado em minha direção.
“Ô, patrão, olha só! Comprei uma trena novinha! Agora não tem mais erro pra medir as coisas aqui. Tá tudo no jeito; aprendi direitinho onde começa a marcação. Fica sossegado que agora vai sair no capricho!”
A alegria de Neco, ainda um simples iniciante no trabalho de ajudante, era genuína, a ponto de comprar sua própria trena. Talvez essa compra significasse, para ele, mais do que medir paredes; era um sinal, uma marca de um ponto zero em sua vida, simbolizando que ele podia zerar velhas limitações e conquistar um domínio maior sobre seu trabalho. Era como medir a própria vida com precisão e orgulho, caminhando para a próxima fase de si mesmo. Neco se lançava ao trabalho com um olhar renovado e cheio de entusiasmo.
Quais antigas limitações você gostaria de superar? Como isso poderia mudar a sua vida?
Algo aparentemente simples pode abrir portas profundas para reflexão. O zero, em sua aparente neutralidade, revela uma dualidade intrigante: ao mesmo tempo, ausência e potencial absoluto. Esse paradoxo nos desafia a enxergar que, por trás do vazio, há um universo de possibilidades. Assim como no budismo e no taoísmo, o conceito de “vazio primordial”, muito próximo do zero, é valorizado como um estado de quietude absoluta e a fonte de onde todas as coisas podem emergir e se manifestar. Já na matemática e na ciência, por sua vez, o zero é o ponto de equilíbrio e neutralidade, um marco que separa o positivo do negativo, o lugar onde forças opostas se anulam e se harmonizam.
Em nossas vidas, não seria também essencial buscar esse ponto de neutralidade, onde possamos observar a vida sem sermos arrastados pelos extremos? Não seria sempre necessário fazer uma pausa, criar um espaço para discernir entre os altos e baixos emocionais, as vitórias e os fracassos, e encontrar o centro onde permanecemos em paz?
Essa busca pela harmonia interna se alinha à ideia filosófica de que, para alcançarmos uma compreensão mais profunda da realidade, muitas vezes precisamos retornar ao princípio, ao vazio, ao ponto zero. Esse retorno nos desafia a contemplar o paradoxo do nada, que, ao ser reconhecido, passa a conter a semente do infinito. Encontrar esse ponto em nós mesmos pode ser o início de um renascimento, não a partir da agitação ou da pressa, mas no silêncio que antecede a criação de algo novo.
Quais foram os zeros em sua vida, momentos de pausa ou fechamento de ciclos que abriram espaço para seu crescimento e transformação?
Assim como Neco, é possível que todos nós tenhamos um ponto zero reservado em nossas jornadas - um instante sagrado em que podemos redefinir o que fomos e abrir espaço para a grandeza que ainda podemos alcançar. Um recomeço que nos move a soltar aquilo que já não nos serve, permitindo que novas possibilidades floresçam em nossas vidas.
Então, quais bagagens ou fardos você está pronto e disposto a soltar? Quais velhas experiências ou crenças precisa abandonar para vislumbrar o mundo sob uma nova luz e abraçar a oportunidade de uma recriação de si mesmo?
O que o zero evoca em você: vazio ou potencial?
Veja Também: Crônica #115 | Bullying.
Podcast Crônicas
Que tal ouvir e compartilhar essa crônica com a galera?
Você já seguiu as Crônicas no Instagram?
Time Crônicas
Comunicado neonews
Queridos leitores, informamos que os comentários ainda estão offline, devido ao fato de a ferramenta utilizada ser terceirizada e estar passando por atualizações, para melhor atendê-los.
Esta é uma obra editada sob aspectos do cotidiano, retratando questões comuns do nosso dia a dia. A crônica não tem como objetivo trazer verdades absolutas, e sim reflexões para nossas questões humanas.