Vozes da nossa alma.
O que você encontrará nesta crônica:
Despertando para além da passagem de calendário que chamamos de ano novo, podemos questionar se existe sinceridade e consciência em nossos propósitos. Se já saímos ou não da casca que apenas mostra e ostenta, penetrando no verdadeiro projeto interior de mudanças. A reforma íntima, que exige vontade, determinação e coragem, nos conduzirá na busca de nossa melhor versão como pessoa. A expressão da voz da alma terá seus anseios compreendidos quando a sentirmos, escutarmos, e estivermos atentos aos sinais de sua necessidade. Já tentou mergulhar dentro de si para entender esses anseios?
Sugerimos a leitura desta crônica ao som de uma obra de Chopin, talvez proporcione à sua alma uma experiência diferente e única.
I. A Valsa da Primavera.
“Feliz Ano Novo, feliz 2024!!” Certamente, recebemos essa mensagem de forma abundante neste início de ano. Qual será o seu guia para que este ano seja verdadeiramente feliz?
A noite estava quente, embora uma agradável brisa mais refrescante circulasse pela nossa cidade.
E entre nós, uma confraternização de almas, brindando com alegria aqueles momentos de felicidade.
A música ambiente, que sempre faz vibrar nossos corações nas mais diferentes dimensões, se espalha no ar com a Valsa da Primavera, de Chopin. Quase que de forma imediata, essa noite quente se esfria, e todo aquele cenário aconchegante se transmuta numa solitária e pequena praça.
Naquela noite fria, eu estava indo ver uma exposição de artesanatos orientais. Cidade de São Paulo, início da Avenida Paulista, esse era o caminho do meu destino. Meus passos eram apressados pelo horário estar próximo do seu fechamento, mas ganharam uma lentidão quando meus ouvidos foram sequestrados por uma música familiar: a Valsa da Primavera, de Chopin, numa belíssima interpretação no violão.
Meus passos são interrompidos, e então, por alguns instantes, cerro meus olhos para absorver melhor tamanha beleza a reverberar em todo o meu ser. Estava lá um jovem, numa pequena praça encravada entre um shopping center e grandes edifícios modernos, tocando o seu violão, em um solo perfeito e acompanhado por um piano que emanava de uma pequena caixa acústica.
Aproximei-me, sentei-me num banco de concreto à sua frente, protegendo-me do vento frio. Meus pensamentos criaram asas, deslocando-se para os mais diferentes lugares, experimentando as mais diversas sintonias, manifestando-se em um coração aquecido por tanta beleza.
Seu companheiro era um pequeno cão deitado ao seu lado, num acolchoado improvisado em cima da sua mochila.
Na calçada passavam pessoas apressadas; algumas olhavam, sorriam, acenavam, e poucas paravam. A música em si talvez não seja tão interessante numa época em que milhares de outros conteúdos são disponibilizados de forma abundante na mente das pessoas. Ou talvez, pelas mentes preenchidas de tantos compromissos e problemas, não se tenha tempo para parar, nem que seja um pouquinho.
Um casal de idosos dá uns passinhos ao ritmo da valsa. Pacientemente, eles esperam o final do “concerto”, acariciam o pequeno cão, agradecem e deixam um certo valor.
Não resistindo, acaricio também o cãozinho, que feliz abana o seu rabinho.
- “Parabéns, meu jovem, pela bela interpretação de uma música clássica, hoje quase levada ao desconhecimento”, assim me expresso a ele.
II. Dons.
O jovem agradece educadamente, e não contendo minha curiosidade, pergunto a ele.
- “O que faz você estar aqui com seu melhor amiguinho a tocar nessa noite fria?”
- “Gosto de música. Vim de longe morar nesta grande cidade e aqui encontro uma maneira de espalhar um pouco a música. Às vezes pode fazer bem a alguém, e eu também me sinto mais feliz”, assim diz ele enquanto foleava algumas partituras.
- “Posso me sentar aqui?” Pergunto e me posiciono ao lado do seu leal cãozinho.
- “Claro! Quer cantar alguma música?” Pergunta sorrindo.
- “Obrigado, meu jovem. Não tenho esse talento, acho que você não iria gostar de me ouvir cantar.”
O talentoso e destemido jovem era um programador de sistemas de segurança. Tão importante missão ele detinha, com o seu trabalho voltado para a área de proteção e defesa. Mas naquele momento, era um homem que, na sua peculiar sensibilidade, deixava sua marca num pequeno tempo e espaço, dentro daquela gigante e fria metrópole.
Talentos, dons ou aptidões. Herdamos e guardamos no nosso íntimo, que, ao serem despertados para a vida, terão e darão um sentido maior aos nossos dias. Seja na busca de um aperfeiçoamento ou no reconhecimento usado para deixar a nossa volta melhor. Seja em auxílio próprio ou a outras pessoas, fazendo dos lugares e dos simples momentos algo marcante e inesquecível.
Os dons, os talentos - morais, sentimentais, intelectuais - e as aptidões foram concedidos a todas as pessoas, indistintamente, como instrumentos de evolução. Nascemos todos com preciosos recursos que, ao serem desenvolvidos, se mostram em habilidades próprias. Considerando os diferentes níveis de evolução em que todos nos encontramos, a sua utilização segue conforme a sua capacidade. Somos dotados da capacidade para receber e multiplicar tudo o que nos foi confiado e que está na nossa essência.
Nossos talentos vão além da capacidade de gerar riqueza física; sua verdadeira riqueza está no amadurecimento e no enriquecimento interior.
Mas, muitas vezes, negamo-nos a amadurecer. Prendemo-nos às coisas fáceis, rápidas e superficiais.
O crescimento é doloroso; afinal, nossas dificuldades e fragilidades ficam expostas diante de nós.
E então sofremos por nada e por tudo, sem muito refletir, sem entender a pedagogia inserida nas situações que se apresentam. E então nos lamentamos pelas dores, pelas aflições, pelas tristezas, julgando tudo injusto e jogando a culpa em circunstâncias externas.
Como amadurecer sem passar por dores? Seria isso possível? Ou será que já somos tão bons, com entendimento suficiente para crescermos somente com alegria e felicidade?
Então assim, compreendemos o porquê da necessidade da dor; afinal, ela é um talento que nos desestabiliza, que nos faz procurar caminhos e formas alternativas, fazendo aflorar habilidades até então desconhecidas por nós mesmos. Dessa maneira, inevitavelmente, crescemos, adquirindo mais maturidade.
Quantos conhecemos que perderam tudo e do nada se reconstruíram de uma forma até mesmo melhor? E quantos também conhecemos que têm tudo e nada fazem ou fizeram?
Ninguém é destituído de oportunidade para evoluir; todos que aqui neste mundo estão são capazes de evoluir. Porém, muitas vezes, não queremos a nossa própria evolução, e sim a do outro; é mais cômodo exigir que o outro mude. Não queremos os nossos bens, e sim desejamos os dos outros. E quantas vezes invejamos os outros, sem nem sermos capazes de reconhecer os nossos próprios talentos? Será que estamos enterrando nossos talentos por medo das mudanças?
Crescer ou amadurecer provoca medo devido às mudanças inevitáveis que se apresentarão; a moralidade escolherá novas conversas, muitas coisas já não terão efeito, muitos amigos não serão mais os mesmos, e os lugares a frequentar não serão os mesmos. Com o amadurecimento, nossas escolhas assumem um caráter mais refinado e seletivo, envolvendo maior compromisso consigo mesmo.
Todos desejamos que o mundo seja bom, mas o quanto estamos sendo bons para esse mundo? O quanto estamos contribuindo para que isso aconteça?
Um mundo melhor, com a paz que tanto desejamos, com menos ódio e egoísmo, será conquistado por meio da participação ativa de cada um de nós.
Somos consciências únicas, que um dia cada qual escolheu e elaborou o seu plano de alma, levando em conta a avaliação de sua própria caminhada evolutiva. As melhores opções foram assim escolhidas, criando o melhor palco para esta existência física. Buscar dentro de nós a voz de nossa alma, que se expressa em nossas verdadeiras intenções. Ela é capaz de nos impulsionar e nos permitir algo novo, como também nos faz recuar quando preciso for. Os anseios da nossa alma serão compreendidos quando a sentirmos, escutarmos, e atentarmos aos sinais de sua necessidade.
A forma como nós nos comportamos é a medida da nossa compreensão, mostrando se de fato compreendemos ou não as infinitas questões que a Vida nos apresenta.
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III. Reforma íntima.
Trazido de volta ao momento atual, percebo que outra música continua a ecoar no ambiente.
Despertando para além dessa passagem de calendário a que chamamos de ano novo, podemos nos questionar se existe sinceridade e consciência dos nossos propósitos. Se já saímos ou não da casca que apenas mostra e ostenta, penetrando no verdadeiro projeto interior de mudanças. Afinal, mudar exige vontade e força, resiliência e determinação. A reforma íntima, se empreendida com coragem, nos impulsionará a nos tornarmos seres humanos melhores, conquistando, a cada passo dado, a nossa melhor versão como pessoa.
Nossas ações geram reações, quer tenhamos ou não o devido conhecimento delas. No entanto, o conhecimento é sinônimo de responsabilidade; quanto maior o conhecimento, maiores são as obrigações, e de maneira proporcional, tudo nos será cobrado pela Vida.
Com o receio de que essas obrigações assumam um caráter definitivo em suas vidas, muitas pessoas sentem medo de perder a liberdade, o que provoca nelas aversão por esse compromisso. No entanto, se não sabemos qual é o propósito de nossa existência, existe realmente liberdade a ser perdida? Não seria apenas uma ilusão?
E então, o que vai reger a sua vida para que este ano seja realmente feliz?
Da nossa felicidade, apenas nós mesmos devemos ser responsáveis. Importantes e decisivos serão os fatores internos, aqueles que dependem de nós mesmos. Estes sim, farão do nosso ano feliz ou não.
Se decidirmos cultivar a gratidão e sermos felizes dentro da realidade que se apresenta a nós, estaremos vivenciando a felicidade. Ela se fará presente nos passos da nossa caminhada, tornando-se a estrada da nossa vida e não apenas o destino, frequentemente distante e inalcançável.
Cada passo que damos é muito importante e significativo, dentro das possibilidades e do tempo de cada um. Onde existe vontade, sempre se abrirá um caminho. Todos os sonhos que temos são postos em prática pela ação de nossa vontade.
IV. O ontem não se repete.
Na noite seguinte, fui ver a exposição a que me tinha proposto. Caminhei pelo mesmo lugar na esperança de reencontrar o jovem rapaz. Não houve uma próxima vez, nem nas outras cinco vezes que passei no local.
Aquela noite foi verdadeiramente singular, um presente vívido que permanece na minha lembrança. Poderá esse talento, um dia, integrar uma grandiosa orquestra, ou ficará marcado apenas para as pessoas que souberam compreender os seus valores?
Seja como for, ele fez diferença para mim no seu modesto e solitário concerto de rua. Não era um instrumentista renomado, e não se importava com isso. O cenário não era o Carnegie Hall de Nova York; era apenas uma pequena praça numa noite fria, iluminada pelas lâmpadas dos postes, acompanhado pelo seu fiel escudeiro cãozinho, Travolta.
Esta é uma obra editada sob aspectos do cotidiano, retratando questões comuns do nosso dia a dia. A crônica não tem como objetivo trazer verdades absolutas, e sim reflexões para nossas questões humanas.
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