Como lindas flores o Bem desabrocha em pensamentos, em palavras ou em ações
Estacionei o meu veículo no local de retirada de materiais, do lado de fora do prédio exatamente a meio fio da rua, e estava carregando minha encomenda de madeiras.
Apesar de eu ter uma altura razoável, muitas vezes tenho dificuldades em colocar materiais sobre o seu bagageiro por ele ser alto e largo, é um veículo utilitário. Então, normalmente carrego uma pequena escada para auxiliar nessas horas, porém naquele dia tinha esquecido de levar. Em função disso eu estava com muita dificuldade com os materiais. E também me apressava, pois as escuras e pesadas nuvens que cobriam quase que totalmente o céu indicavam uma forte tempestade a caminho.
Começou a ventar mais forte e a impressão que dava era que a chuva estava prestes a cair. Então, me apressei mais ainda, e acabei me atrapalhando. Estava tão concentrado em coordenar tudo que nem percebi a aproximação de uma pessoa.
Quando vi, ele já estava do meu lado. Era um moço bem alto, de porte físico forte, e me disse:
- “Deixa te ajudar senhor. Sou alto e estou com uma grande vantagem. Não preciso de escada! Beleza?”
Eu sorri e vi que realmente os braços dele pareciam guindastes, e que não precisaria de qualquer auxílio ou apoio para levantar e carregar os materiais até o meio do bagageiro. No desespero e meio que sem graça, eu aceitei a sua providencial ajuda. A minha preocupação em não poder molhar as madeiras e carregar tudo antes da chuva, me fez não notar a aproximação desse homem. No primeiro momento confesso que levei um grande susto, e a reação muito ligada à mente coletiva me trouxe de imediato aquela sensação de insegurança. Nas seguintes frações de segundos imaginei que pudesse ser um assalto ou ele estivesse querendo algum dinheiro oferecendo sua ajuda.
Pasmem... Pareceu telepatia, ele leu o meu pensamento.
- “Não se preocupe viu? Vi o senhor, desde lá de baixo, carregando essas madeiras e com problema para cobrir com essa lona. E parei para te ajudar”. Exclamou calmamente. A minha mente ainda assustada e misturada com as dificuldades no carregamento me fez agradecer e aceitar.
- “Obrigado”, respondi.
O vento já estava bem mais forte e levou o seu boné, jogando-o a alguns metros longe dali.
Passamos alguns minutos em silêncio, concentrados nos movimentos para melhor distribuição dos materiais no carregamento.
Já quase no final exclamei:
- “Obrigado moço. Sem você estaria na maior enrascada com essa chuva que vem aí!”
Ele respondeu:
- “Não carece de agradecimento não, meu senhor. Com o bem se paga o bem....”
Nesse momento fiquei curioso, pois geralmente a pessoa falaria: “Gentileza gera gentileza...”
- “Alguém pagou você com bem?” perguntei, continuando com o carregamento das quase últimas peças.
- “Sim senhor. Tá vendo aquela bicicleta lá ó...” Aponta para um canto do muro.
-“Eu carrego o meu pão de cada dia...”.
Notei que na sua bicicleta tinha um bagageiro na garupa, cheio de ferramentas. Aparador de grama, enxada, rastelo, tesoura de cortar galhos e algumas outras ferramentas, distribuídas e amarradas organizadamente. Continua ele:
- “Eu estava desempregado, quase despejado do lugar onde morava com a minha mulher e minha filhinha, e o que era mais triste, não tinha nem mais o que comer... Então, eu saí desesperado para arranjar uns trocadinhos. Parei em várias casas pedindo esmola e comida. Muitos não me atenderam... Bati numa casa e saiu uma senhora. E ela, além de me dar comida e dinheiro, me deu algumas roupas... Como ela me deu dinheiro eu queria devolver com algum trabalho. Perguntei se podia fazer algum serviço pra ela. Ela pensou um tempinho e me pediu se podia cortar a grama do jardim. Eu disse que não porque não tinha cortador, mas que ia voltar um dia para retribuir. Daí essa senhora me pediu para esperar. Voltou para dentro de sua casa e saiu pela garagem com um cortador de grama elétrico. Passei algumas horas ali e consegui terminar o que ela pediu.”
Nosso diálogo foi apressado pela presença mais forte da chegada da chuva. Ele teve tempo para me contar que quem cuidava do jardim daquela senhora era o marido, que falecera. E também contou que toda semana ele passava lá na casa para prestar pequenos serviços e ajudar a cuidar da grama e das plantas, e que dos jardins de flores ela mesma gostava de cuidar. Com o passar do tempo ele comprou uma bicicleta e herdou dela outras ferramentas. Nasceu entre eles uma linda amizade. Ela sempre o ajudando e ele sempre retribuindo a ela toda sincera ajuda. Ambos foram abastecidos nas suas carências, preenchendo seus corações também com momentos de alegria e esperança. Ele disse que nos dias que ia lá faziam juntos o café da manhã, almoçavam e tinham o café da tarde. Sempre tinha um gostoso bolo, que ela mesma fazia. Além de sempre levar para casa umas gostosuras para sua filhinha. Essa senhora o tratou com muita dignidade. Imagino o quão grande e belo era o seu coração. Um dia essa senhora também partiu e aquele jardim de flores secou.
Disse que depois de tempos aquela casa foi consumida por um prédio de apartamentos.
Ele lembra e corre atrás do seu boné que estava enroscado num canto da calçada.
Voltou e disse:
- “Too indo! Antes que essa chuva me pegue... Minha patroa e minha “fia” esperam eu!”
Fui então em direção à porta dianteira do carro para pegar minha carteira e contribuir pela sua prestativa ajuda.
Quando voltei para o lado onde estávamos, não estava mais lá. Ele já tinha partido, também na pressa de não ser pego pela chuva, como havia dito. Incrível, pensei, assim como apareceu, sumiu... não percebi nem a sua chegada e nem a sua partida. E nem o seu nome sei dizer. Ia perguntar na hora de despedir.
Olhei por todos os lados procurando por ele. Entrei no carro e saí em sua busca, queria de alguma forma poder agradecer e retribuir a sua preciosa ajuda, mas já tinha desaparecido. Não o encontrei, deve ter virado alguma das esquinas e entrado em alguma rua que para os carros era contramão.
Não demorou e a chuva veio muito, muito forte.
Parei em um lugar seguro e resolvi aguardar por um tempinho. Flashes e luzes fortes dos raios pareciam quebrar o céu, enquanto os trovões rompiam com seus altos sons graves, secos e assustadores. Pareciam disputar com a forte chuva, cada qual o seu imenso poder. E assim tudo foi dominado por essa força incrível da natureza.
Pensei: “Eu aqui protegido dentro do meu veiculo, confortavelmente, e ele com sua bicicleta.... Será que ele conseguiu se proteger da chuva? Com certeza vai se atrasar para dar um abraço e um beijo na sua esposa e na sua filha. Onde será que ele mora? O que será que ele levava além das ferramentas de trabalho na garupa da sua bicicleta? Será que ele levava o jantar para a noite, na mochila que carregava nas costas?...”
Fiquei pensando e imaginando, pensando e imaginando..... e o meu sentimento turbulento de antes, dominado pela pressa e preocupação como os raios e trovões, foi se acalmando. Fiquei a pensar, a analisar e a sentir a história de ajuda verdadeira daquela senhora para com ele. Se muitos de nós tivermos esse tipo de atitude, se muitos de nós vencermos qualquer tipo de medo e com coragem abrirmos o coração... por outro lado, se muitos de nós formos como ele, honesto e com princípios, grato e disposto a retribuir a ajuda recebida... realmente o bem se fará pagar com o bem.
Como essa tempestade que a tudo banhou, o tempo percorrido com meus pensamentos, o sentimento de justiça e principalmente de gratidão foi preenchendo e transbordando em todo o meu ser. Percebi a calmaria, a presença da bonança.
Quanta lição vivi nessa última hora!! Quantas reflexões, aqui no agora, me fez despir o coração.
Quando percebi, minhas lágrimas pareciam se confundir com as gotas de chuva que escorriam pelo para-brisa.
Meu pensamento dizia e me mostrava como o Universo age de forma perfeita e correta. Aquele homem não recebeu sentimento de “dó” e nem de “pena” pela sua vida. Em vez disso, recebeu os ferramentais. Com coragem e boa vontade desenvolveu seu talento, e buscou uma forma de prestar sua contribuição para o mundo, através do que tinha ao seu alcance. De forma simples, honesta e com sentimento de gratidão. Não importa qual tipo de profissão seja, se acompanhada dos princípios que faz de um homem, um homem de bem.
Estava abatido, mas não se deixou abater totalmente pelas condições difíceis. Sem exceção, todos nós nesse plano, necessariamente experenciamos situações semelhantes. Cada qual com suas necessidades específicas, cada qual com suas peculiaridades. Muitas pessoas cruzam nossos caminhos, permaneçamos abertos e façamos por merecer ter no nosso caminho uma senhora como essa, dos jardins de flores.
Ontem ele estava a pé, se colocando como pedinte. Hoje ele está com uma bicicleta e com todas as ferramentas de seu trabalho. Amanhã, como estará?
Jamais um sonho se perde quando existe o bem. Jamais o verdadeiro Homem se sucumbe pela hostilidade da vida. Assim como ele recebeu, ele oferece ajuda verdadeira a quem encontra pelo caminho e segue sua vida.
Sua bandeira? A GRATIDÃO!!
Seu lema? Com o bem se paga o bem....” que já está consolidado em seu coração.
Que lição extraordinária, que belíssimo encontro me trouxe essa tempestade!
A prática do bem requer boa vontade, requer o despertar e o reconhecer dos verdadeiros valores.
Com o bem se paga o bem... Algo semelhante me veio à mente:
“Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei”. Assim nos ensinou um dia, o grande e admirado Mestre dos mestres. Um código de conduta que nos levará à uma vida justa, de alegrias, de paz e de prosperidade!! Façamos o bem, vivamos o bem!! Com um aperto feliz, assim me diz o meu coração.